12.4.12

Eu não quero falar sempre da rotina monótona e repetitiva. Mas é inevitável que se repitam os mesmos caminhos sujos, e é inevitável que eu venha saber que estamos ainda bem no meio da semana por causa da data no quadro-negro; e eu mal posso evitar fazer para a minha analista as mesmas reclamações de não saber organizar meu tempo, meu dinheiro, arrumar minha cama de manhã, as mesmas reclamações de que os planetas não se alinham na minha vida. E enquanto Freud explica as coisas, e enquanto a dialética se transforma na correnteza do rio, e eu, pobre de mim, devorando palavras desconhecidas, apertando os olhos na neblina e engolindo meu café rápido, antes que esfrie; enquanto meus olhos ficam pesados e a cabeça fica pesada e o clima fica pesado e as pessoas ficam chatas e o céu fica sujo e os dias difíceis, eu só aguardo que os sinos toquem. Apertando o passo debaixo de um sol ardido, largando as pontas de cigarro pelo caminho, só esperando pra deitar numa grama qualquer e fingir: que as horas não passam, que o amanhã não chega, que as responsabilidades não existem, e fingir, afinal, que não precisamos fingir. Correr pra olhar uma lua linda, enorme, clara, que ilumine todos nós e que os sorrisos sejam visíveis. Deita aqui pertinho. Deixa eu dar um meus closes, enquadrar minhas cenas, gravar minhas imagens pra poder lembrar tudo de novo, por favor, pra que haja alguma beleza nesse dia-a-dia chato que eu preciso inventar toda manhã. Deixa o vento gelado soprar, deixa o sol chegar sem pressa. Finge que o mundo inteiro congelou na madrugada e a gente pode conversar sem medo, finge que não existe medo. Finge que o ponteiro do relógio de domingo fica parado eternamente às cinco e quinze da tarde, antes que eu feche os olhos. Porque logo chega a segunda-feira e chega a saudade, e chega a distância e tudo vira lembrança. E na segunda-feira se repetem os mesmos caminhos sujos, quadros-negros, reclamações, camas solitárias e desarrumadas, planetas desalinhados. E Freud fica explicando as coisas que eu não consigo entender.