14.12.11

Ameaçava chover quando Alicia dobrou a esquina, meio tonteando e tremendo muito. Sorriu quando Raul fez sinal para que ela fosse até ele e assim o fez, caminhando em passos em falso, tateando o bolso dianteiro a procura da caixa de fósforos, recostou-se na parede da mercearia fechada. Raul olhava as vãs tentativas da menina de acender o cigarro com as mãos trêmulas e os fósforos. Respirou fundo, rindo por dentro (e um pouquinho por fora) e estendeu o isqueiro. Era um fim de tarde de verão de céu escuro e nublado, mas de ar quente, quase febril. E Alicia tremia a não mais poder, sorrindo largo e tragando fundo, até que finalmente disse um “olá”. Olá de volta, disse Raul.
- Você está bêbada.
Ela fez que sim com a cabeça, embora o rapaz não tivesse feito nenhuma pergunta. Ele a beijou longamente nos lábios e arriscou: “você andou tomando vinho”.
- E um pouquinho de uísque.
- E muito vinho.
Ela deu uma risadinha.
- Desde que horas você está bebendo?
- Desde que acordei. Não me lembro quando acordei, porque também não me lembro quando fui dormir. – a menina deu de ombros – tudo anda tão confuso desde que... desde que. Também não me lembro.
Alicia se encolheu toda. Era se beijar e tragar entre os beijos e pensar no desde-que, no desde-quando. Reticências. Pensar em tudo o que se ganhou e se perdeu logo em seguida graças às altas que se dera ou às vezes em que se convencera – simples assim – de que ninguém nunca se curava. Eram aquelas vezes em que ela abria mão de tudo o que havia construído para abraçar uma loucura consoladora. A sanidade não estava a matando? Mais vinho. Mais insônia. Mais parâmetros inalcançáveis. Mais filosofias vãs. Ela se distraía, às vezes, simplesmente cavando um pouco mais do buraco onde se encontrava afundada. Hoje, por exemplo, tudo parecia irreal. Distante. Deliciosamente fantasioso. E ela não queria voltar.
- Você dormiu hoje, Alicia?
Ela fez que não.
- Não sei. Não muito. Não bem.
-  Você esqueceu de tomar os remédios?
- Já são que horas?
Raul consultou o relógio de pulso. Eram seis e meia.
- Não tenho água aqui. - ela desculpou-se - Nadinha. São muitos comprimidos. Faz o seguinte, ainda tenho um resto da garrafa de vinho na bolsa...
Ele segurou a mão dela.
Mas ela não queria voltar. O próprio presente era um passado deliciosamente remoto ali.

8.12.11

Como chuva de verão.

Talvez fossem os ventos do sul, o calor inebriante do verão, e era natural que nos sentássemos e fumássemos e bebêssemos muito e fingíssemos ser muito felizes, obrigado – e, pelo menos naquele momento, éramos. Tão jovens, tudo parecia tão vivo. E era natural que discutíssemos com simplicidade os pormenores transcendentes e transcendentais, que falássemos tão levianamente do amor, que as palavras dessem voltas ao redor dele e, por fim, retornassem. Veja bem, é muito importante que seja dito que, porque somos jovens, estamos muito fragilizados por mudanças e corações partidos. É a eterna história do vai-passar-mas-não-sei-quando, do liga-pra-ela ou do não-atende esse telefone. Passamos anos dourados enxergando neles tempestades cinzentas e turbulentas. A gente sentava no chão, abria mais uma garrafa, alguém dizia alguma coisa que leu num livro, ouviu numa música, viu num filme e vai levar pra vida toda, “me disseram que o amor era um plágio descarado da dor”; faz-se um silêncio respeitoso de milésimos, se esmaga a ponta do cigarro no chão, vezenquando um infeliz solta um “nunca mais” – mas ele está sorrindo. Todos estamos. Havia quem dissesse que não agüentava mais aquela porra toda, me arranja outro maço, o meu acabou, acabou a garrafa, acabou o dinheiro, o amor ficou e eu aqui carregando nas costas sozinho. Já-tentei-de-tudo versus vai-passar. Tão jovens, tão vivos. Doía tanto e, no entanto sorriam. E meus olhos se perdiam no horizontes de ruas vazias enquanto eu digeria imagens, significados, gostos, lembranças, sentidos, pensamentos, e tudo aquilo congestionado ali dentro. Era verão e eu tinha muito tempo livre, e não era surpresa que eu matasse esse tempo devagarzinho, junto dos monstros e anjos dentro de mim e só restasse. Ponto.  Me restasse. Que alguém segurasse a minha mão e dissesse “vem. esquece.” Que me dissesse pra beber mais, me estendesse outro cigarro ou me sorrisse, e então me ganharia por segundos inteiros. Me levantei e corri para a terra, os pés descalços. Talvez fossem os ventos do sul ou o calor inebriante. Não era raro que acontecessem, e se repetiriam muitas vezes ainda. E mesmo assim a gente ainda corre pra baixo dela toda vez: como chuva de verão.

17.11.11

Espero de esperança, espero de aguardar

Eu escuto sobre os teus dias iguais e conto sobre os meus dias que têm sido iguais e sem você, e espero por um futuro próximo onde eu possa passar meus braços em torno da sua cintura e te ouvir reclamar: do tempo, da minha ausência, que eu ando comendo de menos e estudando demais, que eu sou muito distraída, que eu não me vejo com clareza e que muitas coisas mais. Eu quero os teus ciúmes sem fundamento e os fundamentados, e quero os desentendimentos bobos e nossos acertos. Espero por um futuro próximo, chegar cansada depois de uma tarde de trabalho e poder dizer que tudo tem sido sempre a mesma merda e então que você me acalme com meus beijos e venham os teus carinhos, a parte da rotina que eu aguardo de fato. E eu vou te preparar o café n’algumas manhãs e vamos ler os jornais aos domingos, e em algumas dessas leituras nós vamos chorar porque o mundo anda um horror, menina, vem cá, me dá um abraço, eu escondo meu rosto no teu pescoço e lembro teu cheiro - e de repente, por um instante maior e mais importante que todos os outros eu esqueço a guerra e as barrigas vazias de todos os brasileiros porque eu te tenho, meu bem. Meu bem, meu amor, eu confesso que penso demais e tento tanto pôr em ordem tanto sentimento que mal têm cabido no meu coração; e é tanta filosofia ética psicologia biologia e logias e sofias e o tanto que me afeta o meu afeto por ti que, quando tento pôr em prateleiras separadas as minhas sensações, tudo o que me vem à mente é: ela gosta de tulipas. E não tem sido ninguém além de você, e nada além de escuta-aqui-essa-música-lembrei-de-você e quero-segurar-tua-mão-nessa-cena-no-cinema. O tempo se arrasta e já fazem três meses que eu conto os três meses que me faltam pra poder te encher de beijos, mas eu espero (de esperar) que os dias se tornem mais breves e eu espero (de ter esperanças), quando eu estiver ao teu lado, poder segurar o tempo e finalmente segurar tua mão. 

15.11.11

Fartura em meio à miséria


Entra, pode entrar. Sim, pode apanhar uns cigarros do maço na mesinha. Logo mais a gente toma alguma coisa – um vinho, um café, os dois. Mas fecha a porta, que detesto que a deixem assim, escancarada depois de entrar. Que se esqueçam de fechá-la. Que se esqueçam. Que me esqueçam. Engraçado, né?  Dizer isso logo agora que pretendo deixar meu peito escancarado. Pode abrir a janela, se quiser. De nada adianta deixar fechada por causa da chuva lá fora. Chove aqui dentro, também, e há dias que meus olhos estão nublados. Na verdade, não sei se fazem dias ou semanas ou alguns meses – cerca de dois deles. Já considerei religião, cartomancia, yoga, macrobiótica, suicídio, droga, alcoolismo. Mas pra quê? Não sei se isso – essa coisa que eu não sei o nome e me causa as tempestades mentais e me nubla os olhos e me põe  a suspirar pelos cantos, desanimada dos pequenos prazeres que tanto me alegravam há algum-tempo-atrás (indefinido); não sei se é pedaço que falta, se é alma que sobra e dói e adormece por se espremer demais dentro d’um corpo que ela jamais aprendeu a amar. É medo, é sufoco, é uma mescla de sei-lá-o-quê com você-sabe-muito-bem. Ando um poço de. Desesperanças ou uma fé densa, hora poço repleto e hora alma-vazia-e-esburacada. Recentemente descobri esse fio que divide meu espírito em muitos. Aceito, então, que em um instante se arrebente a corda entre o samba e o blues, a euforia e o desespero, a apatia e a temperança (e entre essas duas últimas eu quase não sei diferenciar, que a temperança é cálida-quase-fria e a apatia é fria-quase-cálida). Corrigindo-me, como se eu rabiscasse as linhas anteriores e dissesse que ando, não um poço de, mas poças, muitas, de águas enlameadas, límpidas, mornas, geladas, turvas e. Minha alma esburacada em pequenas grandes profundas e rasas poças: algumas, confesso, apenas buracos vazios – o fundo deles em erosão, ou terra batida e seca ou úmida e fértil. O grande perigo da alma fértil é que nela posso cultivar sentimentos bons ou culpa. Dessa forma, sinto-me culpada por um cigarro que acendo ou por qualquer mentirinha boba, por tratar-me bem demais ou mal demais, por fazer ou deixar de. É preciso exorcizar essas poças, mas. Chove cada vez mais. Vasculho-me por dentro em busca de alguma compulsão ou mania antiga que me faça sentir mais viva. Listo em minha mente todas as coisas boas que podem me acontecer e procuro a positividade que eu costumava abraçar e transbordar, mas a chuva não me deixa escutar. Minha única vontade é de sentar-me à janela e aguardar que o futuro traga suas mudanças, que a tempestade traga a bonança, que o tempo traga Janeiro, que o mundo traga notícias dela.
“Dela” – e finalmente me ocorre um bom pensamento bom. Ao fundo de todas as sensações: desesperanças, mágoas, e temores, John Lennon canta Bony Moronie. Não posso deixar de sorrir. Veja, estou aqui escancarando o meu peito e abro a porta e coloco as mãos para fora da janela e volto encharcada, para que em todas as poças secas da alma eu possa cultivar pensamentos como esse. Abro a garrafa de vinho. Abro um sorriso. Abro os braços. Confesso, ainda sinto medo. Ainda sinto-me “como quem partiu ou morreu”. Os pequenos gestos me doem como o inferno: rir, tirar os cabelos dos olhos, esmagar a ponta do filtro na mesinha-de-cabeceira deixando uma pequena marca de queimadura. Mas. E ah, e eu, que sempre tanto detestei a palavra “mas”, aguardo: notícias dela. Ela. Dedos entrelaçados. Seu carinho. E
gra
du
al
men
te
& depois
de-repente: não me sinto mais miserável assim. 
Uma  semente e terra fértil se tornam fartura em meio à miséria.

28.10.11

Gramatical e essencialmente incorretos

Às tremas trêmulas da delinqüência - estremeço. Espalho crases e acentuação e devoro vírgulas e desorganizo os hífens, os pontos-finais e poetizo mediocremente as sensações turbulentas; turbulentas e confusas, tão turbulentas e tão confusas que não se prendem à gramáticas, à regras não se organizam em pontos nem vírgulas páragrafos fim começo meio parênteses. Aposto no pequeno caos da escrita, que é o imenso(rável) caos do espírito. Aposto nisso para que sintam como eu sinto, ou ao menos se sintam sob a sombra das nuvens tempestuosas dos meus pensamentos, sentimentos, olfato, visões. Versos gramaticalmente, essencialmente incorretos. Tortos. Tortos tortuosos assombrados. Não quero pensar em conseqüências hoje. Nem no futuro. Nem no passado. Nem no agora, na verdade. Quero, hoje, ser mera espectadora dos meus atos e, como quem se entretém com um livro ou filme, pensar que "bem que a mocinha podia ter feito isso ou aquilo", mas sem jamais intervir, porque isso não me convém. Não me convém tomar para mim as minhas próprias responsabilidades nem as de ninguém. Sinto-me exausta demais... perdão: ela (assim, na terceira pessoa, me tiram um peso das costas) sente-se exausta demais para qualquer preocupação que não seja: relatar sem se preocupar com toda a pon-tu-ação a-li-men-ta-ção re-ti-dão estudos e para o diabo. Não fica bonito mudar o foco no meio da redação. Não fica bonito sentar-se com a coluna assim, não fica bonito fazer. Mas faz. Hoje ela se dá permissão pra errar. Demos-nos, também.

De olhos fechados

"Saudade de você."
"Também to"
"Sinto sua falta"
"Sente não"

Bárbara, que era de poucos sorrisos, sorria pra Maria Elena e se explicava "sorrio é porque gosto de ti". Sorrisos desajeitados-enferrujados e mentiras bem-contadas, pensou Flora mais tarde.

Suspiro.

"Sinto, sim"
"É tédio. É solidão."
"Solidão sempre foi."
"Pois então."
"Mas agora é mais. É solidão de você."

Maria Elena costumava passar os braços compridos ao redor da cintura da menina, depois colava o rosto no dela e guardava o momento na caixinha de antidepressivos pra tomar mais tarde, na hora do café e dos remédios; pseudo-zen à beira de um ataque de nervos que era. Passava vários instantes assim. Media o tempo desse jeito: em instantes. Repetia o "gosto de ti", pegava um cigarro, punha entre os lábios. Bárbara perguntava: é o primeiro? Terceiro, Maria respondia, e então guardava, e beijava-lhe a testa com a boca de cinzas porque queria cuidar dela. Costumava, só. Não queria dizer

"Não fica sozinha de mim. 'Tamos aqui, não?"
"Quero te ver."
"Abre os olhos."
"Você ta na minha cabeça."
"Abre os olhos."
"Se eu abrir, você sai dela."

Domingueira adiantada

Essa semana tem um quê de segunda e um quê de domingo e um quê de sexta-feira todos os dias (quanto ao ponto da sexta, às exatas dez e trinta e cinco da manhã). Vai ser sábado e mesmo assim o final de semana não chega nunca. Ou chega e é um final dolorido, como naqueles livros os quais pelas páginas você correu tanto com os olhos, tropeçando nos parágrafos e pulando significados e agora só sente peso da melancolia do último capítulo. Peso denso demais pra se absorver num capítulo só. Tento me ater às palavras desconhecidas (ósculo; omoplatas) e às cenas mais bonitas, mas a última página chega ao final de uma forma ou de outra. Toda e qualquer oportunidade que surja de beber, sorver, engolir essa melancolia de uma vez só - injeção ou comprimidos - é bem vinda. Talvez seja o inferno astral, penso. Mas ainda é dia vinte e sete do mês. Vinte e oito. Li em algum lugar que não existe tempo, depois li que existe, sim. Hoje mesmo, na verdade. Me apanho pensando: inferno astral - inferno astral - inferno astral. Talvez algo relacionado à Vênus e Marte, talvez meu Yang esteja cansado, talvez seja o desconcerto do horário de verão ou pode ser só preguiça. Só quero me deitar debaixo do ventilador e assistir algum filme francês (porém sem muito significado, sem prestar muita atenção nas legendas).
Horoscopomaníaca. Se eu tivesse filhos, por eles seria capaz de aguentar mais um dia. Não tenho. Penso em minha mãe. Penso em ligar: "alô, mãe? Não quero voltar pra casa hoje, não. Agora não. Quero ficar na rua bebendo uma cerveja gelada nesse sol quente." Afinal, hoje é mesmo sexta-feira. É sexta e me sinto exausta. É sexta e talvez (vergonhosamente) eu só deseje mesmo que fosse domingo, pra deitar numa rede a tarde todinha, me desculpar depois da sopa e ir dormir antes do Fantástico. Muito antes.

27.10.11

Queridas lamúrias (relato)

Desesperançosa. Não parcialmente, sabe, mas também não totalmente. Caminhei em passos rápidos até a padaria e fiquei dando voltas – queria um cigarro só, só um (juro que só mais um, juro que parei), mas não me arriscava a entrar num boteco mulambento pra comprar solto. Compro, vencida, acendo (perdi o isqueiro), sento no meio-fio, torta como estou e como sempre fui e espero por sei lá o que, por alguém que me pergunte: “menina, tais passando mal?”, e na situação mental que criei, eu responderia: “to sim, to mal do espírito, moço”. E na minha história o moço é um velhote de cabeça branca e chapéu bege. O dia tão bonito e o mundo todo desordenado. O gosto ruim na boca, o aperto no peito que não me larga faz não sei se são dez meses ou dez minutos. Vou morrer jovem e feia e enrugada por dentro e desesperançosa e com essa carinha de menina cheia de vida. Hoje eu desisti de consertar o mundo. “E aí”, conto mentalmente pra algum amigo imaginário “aí você percebe que quem se importa é só tua analista, e é por salvar a dela, é porque ela é paga pra isso”. Em passos rápidos eu corro ando “sem cavalo preto que fuja a galope” troto em busca de gente de alma densa, mas a rua está cheia de gente vazia. “Ta todo mundo desalmado, entende o que eu digo?” Meu amigo imaginário entende, mas não me abraça. É um desalmado também. Só faz me ouvir. E digo, insisto que não tem remédio, não tem, que quero só que chegue segunda-feira logo e o dia da consulta pra eu poder me lamuriar que não existe uma só viv’alma que se importe. Pra eu poder ser de novo a paciente de classe média com uma depressãozinha (classe C) & algum TOC leve irrelevante & problemas comuns do adolescente brasileiro sem geração e sem causa.

Diálogo num dia zombeteiro

- Sabe o que eu odeio? Um dia tão triste como este e esse Sol brilhando, esse céu lindo, azulzinho, nuvem nenhuma, zombando da gente. 
- Que foi que disse?
- Nada.
- Você disse algo sobre triste.
- O dia.
- De hoje?
- De hoje.
(suspiro)
- Mas por que diabo o dia de hoje é triste? O céu ta lindo, não ta?
- Por isso.
- Porque o céu ta assim, azulzinho e sem nuvens?
- É, e você vai me deixar.
- Que idéias são essas, menina?
- O dia está lindo e você vai me deixar. Uma merda tanta ironia.
- Quem falou que eu vou te deixar hoje?
- Não disse que vai ser hoje.
- Mas disse que o dia de hoje é triste.
- Hoje é triste porque você vai me deixar um dia.
(outro suspiro)
- Ah.

Eu-preciso-de.

Eu preciso de. É viver nesse constante “eu-preciso-de”, as três palavras, falta uma, duas, sabe-se lá quantas e sabe-se lá quais, de beijo abraço cigarro café tequila trepada lâmina compreensão reza crença  fé amor  chorar rir mãos dadas um carinho um livro brinde sorriso presente vingança analista psiquiatra droga amor causa luta amor força amor (já disse três vezes, eu sei: love  love love [...] is all you need),  eu-preciso-de. Vira anemia de algo, afeto ou sei lá, só ferro mesmo, há dias em que não como direito, não durmo direito, não penso direito, tenho pirado nessa coisa de tentar ser bonita e talvez seja disso que eu precise, talvez não. Li em algum lugar – ou só senti, pode ter sido – que falta de desabafo vira câncer no coração da gente, faz buraco de verdade e não adianta preencher vazio com incenso, leitura em tarde chuvosa, mantra indiano e o diabo que o valha, sabe? Eu vou distribuindo às cegas as vírgulas, hífens pontos-finais. Ponto e vírgula; parágrafo
gra
du
al
men
te
e como eu bem entendo, eu coloco as tremas e que se foda a nova ortografia, não é dela que eu preciso. Eu preciso de! E me abasteço da cafeína diária, exclamando interrogações ao vento: “Eu. Preciso. De???”
Talvez eu precise de uma religião nova, dessas que tragam algum barato e eu possa dizer “é espiritual, cara, transcendental” quando me acusarem de delirante ou coisa assim; ou talvez algo mais concreto, talvez eu compre um gato e o acaricie quando o céu ficar cor-de-rosa todo final de tarde (droga, eu quero um cigarro, pra quê diabo tanta saúde se nem sei se quero viver muito?) e... reticências, eu me perco, eu estava falando de gatinhos ou de uma bicicleta, talvez eu precise de.


"Ou talvez eu só precise de férias, um porre e um novo amor. Porque no fundo eu sei que a realidade que eu sonhava afundou num copo de cachaça e virou utopia”. (Caio F. Abreu)

25.10.11

Désespoir Agréable

Vinte e três minutos gradualmente se convertem em dois. Gradualmente e depois rapidamente e depois de uma vez só, mil trezentos e oitenta segundos transformados em um turbilhão de lembranças sensações e míseros (não chegam nem mesmo a ser) instantes! As páginas do livro se desfazem. Sinto-falta-de. Désespoir Agréable é o nome da música - só o piano, ouve só que delícia, logo eu que sempre detestei a falta de palavras e esse silêncio calculado não estivesse em em alguma cena triste de um drama água-com-açúcar hollywoodiano.  Logo a amante das palavras e dos versos de pé-[pernas-braços-pulsos- cabeça-coluna]quebrado, escutando a mesma melodia sem-letra-mas-com-tanto-a-dizer! repetidamente. As letras escorrem por entre os meus dedos e - vejam só! apanho antes que caia no chão a essência de algum grande autor da contracultura, do grande movimento flower power o qual nunca chegarei aos pés. Escrevo pra que meus versos permaneçam tão mudos quanto os desse instrumental: com tanto a dizer! porra, com tanto a dizer.

A alma em pêlo, 
um apelo:
peço que me aceites de qualquer forma
aceita minhas doenças auto-induzidas 
aceita minhas feridas (auto-induzidas também, ou não)
me aceita me abraça me tem me mantém assim


Finge que não sabe que às vezes bebo em demasia
que volto a fumar se me deixares
um maço dois quatro numa semana para um par de pulmõezinhos jovens
Vísceras encardidas
espírito em frangalhos
coração remendado
que minha poesia não é tão original quanto pensam por aí
que não tenho dom algum
Finge que não sabe do amor que tenho por ti
finge que acredita no amor que eu [não] sinto por mim
Finge comigo!


Me sinto só
me sinto abandonada às minhas próprias mãos
ao meu próprio requinte de crueldade
e Ó, ninguém no mundo me faz tão mal quanto o meu Ego
(e disso todo o mundo, no fundo, sabe)
capaz de transformar em facadas as mais ternas carícias
e em dores os mais doces amores
(e veja só essa porrada de clichês: amores cores flores dores e o diabo todo)


Dó dó dó dó
sem ré sem mi sem fá
hoje não nasce o Sol
sem Si
sem pena, meu bem
sem Dom que o valha
apenas Dó

Essa minha bobageira de escapismo com explicações transcendentais: cartomancia, astrologia, búzios e vidas passadas.

Um novo filme cá e acolá, arranjo um “complexo de” & o nome da protagonista (ou mesmo a secundária, tanto faz) perturbada e insatisfeita, debilmente complexa, possuidora de uma clichezada de dualidades. Uma hipocrisia dos diabos, toda essa minha pretensão saudável, enquanto só me liberto pondo pra fora as lágrimas as tripas a alma, enquanto todo o mundo sabe que minha mente - ah, a psique! Bla-bla-blá a psique humana isso e aquilo – não passa de uma adicta de dependências, uma dependente de adicções, e a vegetariana pseudo-macrobiótica aqui, dada às faculdades das saúdes mentais, só quer a porra de um cigarro e meio passo de distância de tanta imperfeição; quer vomitar essa porcaria toda; enquanto deságua sangue e oceano pelas minhas veias, vias lacrimais, vaias. Trêmula, tremas nos U, pingos nos I, cortes nos T, (não) cortes o mal pela raiz – deixa crescer, deixa, vai! Tanto positivismo pra tanto auto-amor no vermelho, no negativo, um buraco mesmo: vai corroendo corroendo corroendo corroendo vira tumor maligno no espírito. Um espírito tão espremido, coitado, nessa carne podre!, tão grande (imensurável) pr’um corpo só! “Insatisfação crônica”, essa “coisa” – a palavra só pode ser coisa, não há outra – essa coisa de querer sabe-se-lá-o-que; um infinito maior, um lado B ou a contracultura de volta... vai ver é querer um tico de nada de dor doce, meio azeda, feito um morango. Vai ver eu só devesse me aceitar assim: amplificada – interrompida.  Me aceitar assim, com essa fé fodida, gigantesca, linda, besta, sem ter direito em quê botá-la, com esta esperança ridícula de que você me venha com o perfeito tesão-físico-e-espiritual e amor-transcedental-e-concreto; me aceitar com essa crença idiota tirada de uma filosofia idiota de boteco. Me aceitar e aceitar a idiotice que é a vida (sem essa minha bobageira de escapismo com explicações transcendentais: cartomancia, astrologia, búzios e vidas passadas), e aceitar  que aí você morre e não dá pra saber.  Não dá pra saber pra quê gastou tanta grana em análise, tanto tempo em auto-análise, pra que tanto saco cheio em analisar os outros. Que porre que vai ser se não tiver Nirvana, se não tiver Paraíso ou Inferno que o valha, que porre que vai ser se a vida vai ser sempre mesmo esse eterno purgatório e não há meditação, religião, provérbio droga boa-ação dom artístico poesia música que valha a chatice dessa existência curta e cruel na Terra. E que porre que deve ser pra você, meu bem, minha querida, eu colocar tudo isso sobre os seus ombros – seus adoráveis ombros e minha alma em chamas meus lábios em cinzas. E que chatice pra qualquer outro ser no planeta que meus dias agora se resumam em criar mentalmente um futuro repleto de você. 

21.10.11

Horas em que me ocorrem frases, palavras, recortadas de todo o sentido:


ósculo
psicoterapia medieval em confessionários
alma em pêlo
carne osso sangue alma id ego
espírito caleidoscópico
flores, cores, dores (piegas ao máximo!) e todos os males vêm com certo aprendizado (mais piegas ainda, menina, por deus!) - amores sabores tambores...
ouvir o vento e sentir a música, como não?
coração desejoso e pulsante como o atabaque do terreiro de quimbanda, mil antipatias em busca do teu desejo
te quero aqui - te quero comigo - te quero em mim - te quero
desconexão
avulsas
recortes
aleatoriamente
versos



20.10.11

Dissolução instrospectiva

Num mundo fadado à melancolia aos finais de domingo, onde se mastiga e engole depressa demais, pouco dado a cumprimentar desconhecidos, e em que as pessoas mal têm ciência da tonalidade da cor dos olhos de seus amores; bem, num mundo como este, me apetece muito listar pequenos prazeres (que - confesso! - eu mesma mal dou a devida atenção): cheiro de incenso de jasmim queimando num fim de tarde de céu plúmbeo e janelas úmidas; o pio da coruja compartilhando de minhas madrugadas insones e pondo ritmo em minhas leituras; despertar, vezenquando, com as carícias dos raios de sol; enfiar os dedos dos pés descalços na areia do parquinho; riso de criança, lambida áspera de filhote de gato nascido no telhado da vizinha; o aroma forte do café preto pronto na exata metade do dia;   beijo: na têmpora, no pescoço, no pé do ouvido, olhos, pulsos, testa, queixo, lábios. Num mundo onde não se aprende bem a distinguir o sabor do amargo do azedo até que se viva os tropeços nos pomares (isto, meu bem, é essa a coisa chata que se chama crescer), ou amor de paixão (até uma noite em que um ou uma prefira assistir um bom filme àquela ardência toda), e em que é raro apreciar a bela vista e a boa música - nele, entrego-me às rasas filosofias de butiquim, e nelas me aprofundo, num mergulho dentro d'alma dos bêbados (que se tornam poetas e, conseqüentemente) loucos. Num mundo em que nos queixamos do tempo perdido na troca do horário de verão, obrigo-me a reler a página daquele romance e fechar os olhos, imaginando, até que as imagens em seus tons e nuances se componham diante de mim. Neste lugar onde nos agarramos tão desesperadamente a cada grão de sentido, procuro.. melhor: procuremos, por favor, aceitar a ausência dele - se não completa, apenas parcial. Numa sociedade contraditoriamente conformista e reclamona, tentar fazer com que um mundo como este se pareça com o meu próprio.

16.10.11

Linha 503

(Não tão) de vez em quando, Camélia ainda tomava o metrô 503, apenas pelo puro prazer da lembrança, movida por uma nostalgia impulsiva. Durante todos os trinta e sete minutos do trajeto, se entregava de alma àqueles diálogos (e talvez possíveis amizades, até romances!, por que não?) subterrâneos. Falava de toda e qualquer banalidade ou não que lhe ocorresse: da garoa que ameaçava em trovões, das eleições que se aproximavam, que as entradas pro cinema estavam muito caras, do preço do bilhete do transporte que subia, da cidade que estava crescendo - haviam carros demais e cada vez menos bicicletas. A mocinha bonita de cabelo chanel, olhos castanhos grandes e saia floral rendada disse que tinha uma bicicleta e (essa próxima parte ela falou rindo) que era quase uma ciclista profissional. Ela tinha braços e pernas compridos e magros, um furo bem pequeno na camiseta de algodão. Camélia falou da claustrofobia que dava de andar em trens cheios, que voltava sempre de bicicleta pra casa, se pudesse (o que era mentira, porque Mélia era uma preguiçosa). A camiseta da menina tinha estampada a cara de Audrey Hepburn como Holly Golightly, então Camélia decidiu chamá-la mentalmente de "Bonequinha de Luxo". Pois bem, Bonequinha tinha um olhar cativante e uma risada gostosa, confessou que morria de preguiça de pedalar todo dia de volta pra casa. Levava consigo um vaso de mudas de orquídeas, flores que Camélia adorava. Bonequinha de Luxo mostrou as orquídeas - disse que adorava camélias, também. E o trem chega ao fim da linha.
Sob a luz, o castanho daqueles olhos enormes se tornava âmbar (ou até num verde amendoado, se batia um raio de sol). 'Té mais ver, despediu-se "Holly", que morava vizinha daquela estação. Até! Tudo isso sem dizer nomes, cor favorita, sem saber se ela preferia Chico ou Caetano - ou nenhum dos dois. Tudo isso numa daquelas viagenzinhas que Mélia só fazia pra se lembrar de José. Acendeu seu cigarro e ficou esperando: ainda tinha que pegar  um ônibus; não morava ali por perto. Qualquer dia, novamente pelo prazer da nostalgia, voltava no 503 e falava do tempo, da economia, política, procurava por Zé, procurava a menina Holly - aí perguntava o nome verdadeiro dela! Dizia que se chamava Camélia, como a flor. Ou inventava qualquer coisa... quem sabe!

(meus) Versos avulsos, agora de pulsos quebrados e ligeiramente entorpecidos

mãos vazias corpos vazios
almas vazias
copos vazios
fim de noite.

...encontrou-se segurança no Caos.

Discussões vazias e repletas de palavras espalhadas
semeadas pelo vento
ao acaso
encontrou-se a tranquilidade e o silêncio dentro de si - sim, em meio aos gritos.
Nem tudo estava perdido! Ainda havia mar, ainda havia o restinho de esperança no fundo  da xícara, haviam as boas-vontades de amigos amores ex-amores não-intenções. A garganta queima quando lhe sobem pensamentos claros (que, porém, se emaranham demais na laringe, faringe, traquéia, sei lá... e  a clareza se perde.

14.10.11

(meus) Versos avulsos de pé-quebrado

Barulho de chuva, cheiro de chuva, cheiro de incenso (jasmim), o folk-indie-rock que mais parece um mantra quase inaudível e temperado com trovões - tempestade de sentidos. É tudo muito bom. As fotografias em preto e branco e  as frases nas paredes, um filtro dos sonhos emaranhado num terço de pérolas, cinzas cheirosas e garrafas vazias: meu pequeno santuário. Verdes. Sempre atenta às cores, aos olhos, aos ruídos. Uma ilha de calmaria em meio a tormenta. Uma ilha de perdão, as gotas trazendo a aceitação, a água suja lavando a alma e escorrendo a raiva pelas calhas. É um dia bom. 

"Nós somos as pessoas substitutas. Pálidas projeções de fantasmas do passado, consolos de ex-pais inconformados, maridos insatisfeitos ou viúvas angustiadas.  Somos os dublês dos heróis. Nos cinemas, nas ruas, nas escolas, nas famílias – em lugar algum se aprende a amar-nos por inteiro. Planejados cartesianamente, privados das luzes do protagonismo, sempre sorridentes e em pé no tablado do segundo ou terceiro lugar, apenas esperando; esperando que reconheçam o nosso papel como importante no mundo: o de substitutos."

As gotas trazendo a aceitação, repito.
Sem um bom livro sequer, ou braços aconchegantes para um filme água-com-açúcar. Faço o meu café  preto e me bate aquela saudade mortal de Minas Gerais - nada fora do comum, nada que não me venha todos os santos dias. Saudade da risada do menino, do sorriso dele, do choro dele, da impaciência. Saudade da trapaça, do crime. Nada extraordinário.

Verdes.
Quero abraçá-la.
Meus pensamentos dão voltas, e sempre voltam ao ponto de partida.
Quero abraçar-te.

"...chegou e tirou toda a importância das coisas mais importantes, e de repente as maiores coisas ficaram pequenininhas perto de você. Eu não tenho pensado em qualquer outra coisa, desejado mais ninguém; sempre escuto as mesmas canções e minha vida tem sido apenas um aguardo teu. "

Rabiscos do dia-a-dia comum.

7.10.11

Anita:

Anita sentou-se na mochila de rodinhas,
Cabisbaixa e de semblante triste,
Pensando em sei-lá-o-quê.


Se o nome dela é mesmo Anita, também não sei.
Esse é o nome que eu lhe quis dar.


Cabelos ondulados e cor-de-chocolate lhe caem pela face
as mãozinhas tapando o rosto.
Ah, não, Anita! Vê!
Ergue os olhos e vê:
- talvez a vida seja mesmo bela;
e só em poder enxergar a beleza dela...
pense nisso como um ponto a mais.


Anita!


Anita


Anita, escrever-te-ia uma poesia
Sim, somente para ti, se isso te pudesse arrancar um sorriso.
Não, não chora, menina... não te vai. Fica.
Fica e sorri.
Sorri-me, Anita.

2.10.11

Hoje é domingo

Domingo em que a chuva bate na janela e chora no meu edredom, igualzinho eu costumava fazer nas noites de solidão em demasia, medo em demasia, tristeza carência anemia de afeto raiva e angústia – tudo em demasia. Domingo em que me contento com frases avulsas de escritores mortos, já que você não está aqui, em que me contento com um samba antigo e uma fé firme (porém sem muitas orações) de que a sua chegada está mais próxima a cada segundo. Domingo em que a gente escreve meio que sem saber sobre o quê, só deixa em que as linhas se completem quase que sozinhas, e domingo que era pra ser um dia triste – observe que aqui eu digo que era pra ser, mas não é, e não é porque guardo no peito o pensamento teu. Guardo no peito porque, amor, a idéia de você ao meu lado é tão grande que não cabe só em minha cabeça, mas ocupa todo o espaço: coração, alma, vísceras, pulmões, cabeça. Domingo, dia de me demorar demais em atender uma ligação, dia de não almoçar por pura preguiça, dia de faxina na mente pra me livrar dos sentimentos que já não servem.
Meu filtro dos sonhos se enrosca com o terço, balançam à brisa os desenhos na parede descansam, acendo outro incenso. Espero – e vivo nessa espera – por uma notícia sua. Perco-me nessa espera, em situações imaginárias que eu mesma crio, em meu pequeno (e delicioso) caos particular situado nas quatro paredes do meu quarto. Te espero. Sem cansar-me nunca, espero. Hoje é domingo, pede  cachimbo, pede um café, um carinho, um toca-discos, você.

1.10.11

A janela está aberta

Tudo bem. Faz parte não saber o quanto vai sentir falta. Só hoje eu sei, só hoje eu sinto, só hoje eu me lembro de como era... enforcar o tempo nos corredores, surrupiar o café quente e forte da sala dos professores, jogar conversa fora com o monitor que, cá pra nós, era mais amigo do que funcionário. Saudade mata, mas é que mata por dentro, bem devagarinho, como se a gente tivesse vivendo ao contrário e morrer fosse muito bom - como se a gente fosse se reencontrar, no céu, com toda coisa gostosa que já passou. E o amor prevalece. A menina dos olhos verdes, dela eu não quero nunca sentir esse tipo de saudade. Mas eu sinto, confesso, a cada minuto em que ela não está (e, meu Deus! são tantos!). Isso aqui não é poesia, poema, conto ou prosa. São frases soltas que eu juntei pra falar de mim, dela, de mim e dela e de tanta coisa... se a menina chama de "bolacha" o que eu chamo de biscoito e discorda cá em uma ou outra canção que eu, pessoalmente, considero genial - tudo bem! Tudo bem, meu bem, se eu a amo tanto. 
Se chove lá fora, eu não sei. Vergonhosamente, confesso que ando trancafiada em meu quarto, com meus livros, meus pensamentos (esses sim, vagam há muitos quilômetros de distância e além dos mares), meus perfumes, incensos e caos pessoal. A janela está aberta e não está. Pela primeira vez, não quero deixar entrar nada novo, eu acho. Sinto-me plena, em harmonia e paz. Choro, deságuo, desabo - sim, me desespero como qualquer ser humano comum. Mas afirmo, repito: sinto-me plena, em harmonia e paz. Sinto-me em ti. Sinto-te em mim. A janela está aberta, caso queira entrar por ela.

28.9.11

Carta de saudade

Verdes. Eles são verdes. E os meus, castanhos, que se fechem mais cedo todas as noites para que este (não tão) curto período período de tempo dure ainda menos. Tento distrair-me com qualquer coisa que não os segundos, dias, eras. Meu desejo é o de que os meses passem logo e que o vento te traga. Permaneço no teu aguardo, e, mesmo assim, não há ausência sua. Pelo contrário, você se faz presente em cada um de meus dias em meus pensamentos e em mim (muito embora, por mais que eu me encontre repleta de ti, nunca é o bastante e ainda peço por mais). Meus sorrisos, por e para você. Repito: permaneço no teu aguardo, e digo ainda mais, vivo no anseio desse aguardo. Minhas horas se fazem com a espera de notícias tuas, minha alegria se faz numa coleção de carinhos teus. E o meu amor meu amor se faz, meu amor vem sido você, amor, e eu espero que as coisas sigam dessa maneira por muito mais tempo.
A espera dói, mas a esperança não morre, e minha única prece é para que não te esqueças de mim. Vem logo! Vem e fica fica aqui, do meu ladinho. Entenda, por favor, que não quero dizer que você já não está ao meu lado, porque está. Estar perto não é físico. Mas você também entende (eu sei que me entende) o quanto eu quero te prender num abraço forte e sem fim, entrelaçar meus dedos nos teus e estar perto de ti de todas as maneiras possíveis: alma, mente, coração, braços, boca, nuca, mãos (...). E se existe este sentimento de segurança –  sempre existe  preciso confessar que realmente sinto-me dividida: entre ti e a saudade que me fazes.

Veja bem além destes fatos vis.
Saiba, traições são bem mais sutis.
Se eu te troquei não foi por maldade.
Amor, veja bem, arranjei alguém
chamado "Saudade'.

23.9.11

Tudo vai ficar melhor

Eu acredito que certas coisas são medicina alternativa pra qualquer tipo de doença que venha, sabe? De corpo, de alma, da mente. Não é preciso nem consulta e nem receita. Banho, presente, sorriso, brigadeiro de panela, flor roubada, andar descalço em areia de praia (na beira do mar, deixando o que restou das ondas roçarem nas laterais dos pés), canto alegre de passarinho solto, beijo (melhor ainda se for teu), incenso, escrever, abraço forte, cerveja em final de tarde, massagem, soneca da tarde, roda de violão, uma história engraçada, alguém que lembrou de você, carta, bilhete, mãos dadas, pôr-do-sol alaranjado e rosado, entrar numa calça que já não servia mais, receber bom dia de algum velhinho desconhecido ou achar uma moeda no chão.
É verdade que talvez eu nunca alcance o meu feliz para sempre, e eu sei que a o mundo não é sempre fácil - mas é sempre tão, tão bonito! Guardo no coração um otimismo bobo de que um dia as coisas vão dar certo, mesmo que eu não viva pra ver esse dia. Levo também, nesse mesmo coração (que tantas vezes já caiu, se machucou, se partiu e insiste em continuar de pé, olhar com entusiasmo para o alto e não ver por onde anda) uma fé esperançosa na humanidade, acreditando que a cada três passos que ela dá, são dois e meio para trás, o que é muito pouco, eu sei... mas um dia a gente chega lá. Tem gente morrendo de fome, tem gente morrendo em guerra, tem gente que não quer mais viver, eu sei. Às vezes, tudo é tão triste! Mas eu repito: é sempre tão, tão bonito. Continuemos. Não há problema em chorar, não. Eu choro. Sangro. Também reclamo, confesso, e também penso muitas vezes que não tem mais jeito. Mas eu acredito em um beijo teu, em um abraço nosso. E tudo vai ficar melhor.

19.9.11

Eu vou tirar você desse lugar

Senta aqui do meu lado, me dá a mão. Gosto tanto quando, assim, sem que eu te puxe e sem que eu te peça, quando você me abraça. Parece besteira (e é), mas eu fico sem querer soltar. Ainda mais quando faz frio – e  já notou que toda a noite em que a gente se encontra eu começo a tremer? Gosto de você. Você me faz querer dizer infinitas vezes. Gosto de você. Lembro de ti quando eu escuto aquela música (aquela que eu já escolhi pra ser nossa sem ao menos te avisar). Lembro de ti quando eu não escuto música nenhuma. Penso em você. E eu fico o tempo todo desse jeito: meio boba, meio com medo, meio distraída. E eu ponho a canção pra tocar de novo: já faz parte da rotina, da mesma forma que eu queria que seus abraços também fizessem. Seguro a sua mão e tenho vontade de te levar comigo pra longe, pra algum lugar onde a gente possa ficar sozinha, qualquer lugar que você goste, que você queira. Pra te ver feliz, o que eu não faria? Eu já te disse tantas vezes que quero cuidar de ti!  Quero cuidar do seu sorriso, pra que ele fique sempre aí, e quero cuidar também das suas lágrimas, cuidar de você. E não há noite em que eu não deseje ir até onde você está só pra te abraçar e poder dormir bem. Você, que é tão pequena, e eu, que sou tão... sou tão - desastrada, descuidada, desatenta e distraída. E eu, que tento ser o melhor pra você. Que hoje vivo tão ocupada: hora pensando em você, hora imaginando se você também pensa em mim. Eu, que tenho medo dos seus medos, do seu passado, do seu afeto. Tudo o que me nutre me destrói, disso eu sei, e se fosse um beijo seu o meu alimento, essas noites todas eu passei em jejum. Tenho fome. 
É verdade que vai doer. É verdade que você vai me machucar e que talvez, algumas vezes, eu te enfureça com meu jeito de ser. É provável que você  se canse. É verdade. Mas também é verdade, eu asseguro, que a gente vai ser muito feliz. Que eu vou me alegrar só de te ver rindo, que vou me esforçar pra tentar te fazer o mesmo bem que você me faz. Menina, também é verdade que quem mais te faz sorrir é a mesma pessoa que mais pode te fazer chorar. Tudo bem, eu aguento. A gente cresce. Só tô te pedindo, por favor: cresce do meu lado.

9.9.11

"CAMPOS DE MORANGO PARA SEMPRE..."

Nem a selva de pedra, nem a seca e nem as pragas jamais atingiram aqueles campos de morango. A irrealidade é eterna, pensei. Ela não acaba nunca. A única coisa que me lembrava constantemente do mundo real era aquela tosse irritante, um aviso de que meus pulmões e minhas vísceras apodreceriam. Tudo bem! A fantasia era permanente. Eu podia ser Satine, o diamante cintilante, sôfrega de tuberculose, o grande mal da revolução boêmia. Isso explicaria a minha tosse e eu nem sequer precisava abrir os olhos. Pereceria coberta por uma névoa de melancolia romântica. E os morangos continuariam a frutificar.
Veja bem, aqui não existem guerras, já que não há gente. As fadas nunca foram embora e a nascente continua a fluir, incessantemente e alimentando essa mesma terra há mais de mil anos. Aqui as flores não murcham. As borboletas não morrem, os pardais não transmitem doença. A minha insanidade é perfeita. É como se a loucura me tivesse presenteado com um dom de divindade particular. Esse era meu mundo. Claro que há tristeza. Ninguém quer uma garota louca. Esse mundo não apagou as cicatrizes e nem aplacou a solidão. Existimos: eu, as coisas que eu leio, as coisas que eu escrevo (nesta ordem) e agora aqueles campos de morango. Mas o que eu quero dizer é que havia ali apenas espírito, e o físico já não mais importava. Não era preciso comer, vestir; ali se respirava por puro capricho e desejo de apreciar o ar limpo, e se podia chorar à vontade caso desejássemos lavar a alma. O corpo, a carne, o sangue, os punhos cortados se foram. Viver é mais fácil de olhos fechados. E, estando consciente de que tudo isso não passa de uma imaginação minha (o que não quer dizer que não seja verdadeiro), mergulho e abraço a bem-vinda maluquez por mais alguns minutos, antes que os raios do Sol legítimo me obriguem a ir embora.

7.9.11

BOSQUE DOS JASMINEIROS

Aqui costumava ser um bosque, antes que asfaltassem a lagoa e derrubassem os jasmineiros da clareira para construir o condomínio ironicamente chamado “Bosque dos Jasmins”.  Agora só me resta essa varanda, essa roseira mal-podada com alguns botões de flores murchos e a mesa de piquenique, onde escrevo pondo tanta força na caneta que a lateral da minha mão direita já está manchada de tinta preta. Confesso, vergonhosamente, que deixo as cinzas e as bitucas dos cigarros caírem ao chão, talvez matando mais um pouco daquela terra pobre e já doente. Sou vencida nessa Terra pobre e doente. Mas escrevo. Tiro as palavras de minhas vísceras enfraquecidas, da minha alma rasgada, da minha cabeça turbulenta. Não sinto a menor necessidade de viver do lado de fora de mim. Em Maio, me lembro bem, as amoreiras estavam vazias, e eu, cheia de esperanças de que ele voltaria dentro de alguns anos, ou mesmo neste verão, no próximo outono, talvez. É o mês da independência (quanto tempo eu não esperei para que Setembro chegasse!), mas me sinto tão dependente quanto estive no último verão: das garrafas de cerveja, da nicotina e das palavras de amores antigos se fazendo novos. Não há um jasmim sequer por essas ruas – eu, pelo menos, nunca mais vi nenhum – e desde que se foi o último jasmineiro, nunca mais me veio visitar um beija-flor no quintal. Mas os pardais vivem invadindo a minha cozinha por entre as grades da janela, e vezenquando uma borboleta adentra meu quarto, ou me deparo com um botão de rosa que deu certo. Esse pouco me basta. O calor que se fez durante todo o inverno se foi, e é engraçado que justo a Primavera traga consigo essas chuvas finas. Posso fazer de conta que são como as chuvas inglesas e que sou a rainha Victoria, valsando pelos jardins do Palácio de Buckingham. Posso continuar preparando meus chás de menta e chocolate sempre que os ponteiros marcam às cinco da tarde e o céu começa a ficar cor-de-rosa, e, quando escurecer, debruçar-me em minha janela e ter longas conversas com a Estrela D’Alva (que, todos sabem, é na verdade um planeta). Na [minha ir]realidade, não há muito que eu não possa fazer. Ainda espero que as fadas voltem e continuo esperando que os cogumelos cresçam no quintal. Continuo, principalmente, esperando pela sua ligação toda noite, para ouvir a sua voz de sorriso e te imaginar rindo do outro lado da linha. Espero. E ainda que asfaltassem todo o oceano, e ainda que já não mais houverem clareiras repletas de jasmineiros, e ainda se os pomares nunca mais se carregarem de amoras à cada primavera... ainda assim, esperarei por você, para que se sente à minha frente, na mesa de piquenique, e então partilharemos nossos vícios   um por um juntos (sendo que ainda és um dos maiores de todos).

1.9.11

Tudo está bem quando acaba bem

Chegava em casa após um dia cansativo no consultório e desabava na poltrona de couro falso da sala. Você estava sentado ao piano preto e velho como o Gênesis, que compramos usado.  Alto, cachos escuros, olhos verdes e mãos grandes de dedos compridos que corriam com agilidade pelas teclas empoeiradas, a ansiedade fazendo-te errar as notas vezenquando (confesso que eu nem sequer percebia). Eu nunca soube distinguir a nona sinfonia da quarta, ou Beethoven de Mozart, então te implorava que tocasse para mim o tema d’A Bela e A Fera. Você me atendia e eu cerrava os olhos, sorrindo e cantando a letra quase num sussurro. O “pequeno” Muffin – nosso gato gordo e amarelo – se enroscava nos meus calcanhares e ronronava, satisfeito, quando eu lhe coçava atrás das orelhas. Depois de toda uma tarde proferindo a cura pela palavra, como a boa psicanalista que eu tentava ser, eu era submetida à sua terapia de cura pela música – sua música, amadora, que eu adorava! Me levantava e caminhava em sua direção, envolvia tua cintura com meus braços gelados e te beijava a nuca. Gostava quando você se arrepiava ao meu toque e murmurava “Catarina...” com um esboço de sorriso nos lábios, meio torto para o canto direito. E não parava de tocar, incessante e aos tropeços. Ao fim da música, me beijava várias vezes, pelo rosto inteiro – olhos, maçãs, testa, queixo, boca... –, e palmas das mãos e ombros.
Há dezoito anos atrás, era essa a nossa fantasia sobre hoje. Lembra, Valentim? Mas agora você está sentado do outro lado da mesa, há um anel dourado na sua mão esquerda e meus dedos permanecem completamente nus, como sempre estiveram. E nunca me tornei a psicanalista bem-sucedida que imaginávamos que eu seria, embora haja um divã ao lado da cama que divido com minha bela e talentosa jornalista recém-formada, e eu dê aulas de psicanálise em uma universidade particular. Você, afinal, se tornou o biomédico que sempre desejou, e admito (com certo embaraço) que ainda não sei bem o que um biomédico faz. Agora você está me dizendo o quanto eu estava bonita naquele vestido cor-de-rosa de madrinha, no seu casamento,e segura as minhas mãos enquanto diz isso. Somos grandes amigos agora, acho sua esposa adorável (aliás, mande lembranças à Alice!) e se dá muito bem com minha Susanna, que ela também acha adorável. Nós quatro costumamos freqüentar os botecos da Paulista em encontros bregas de casaisinhos, e Susanna sempre dirige na volta porque nós outros estamos um tantinho embriagados. Minha namorada é mesmo adorável (eu adoro essa palavra e não me canso de repeti-la), uma pena que deteste gatos, mas estamos contentes com nossos vários vira-latas. Enfim, sou oficialmente uma escritora publicada, ainda que miserável e não renomada, e parei de fumar no último outono. É Setembro e está tocando Los Hermanos ao fundo (Último Romance!) e o chopp está acabando – Garçom! Mais dois! – e estamos dando risada dos nossos planos adolescentes bobos.
E como já dizia o velho do conto, e nunca me esqueço: “tudo está bem quando acaba bem.”

24.8.11

POR MIM

Tantas vezes menti, roubei, trapaceei e até matei (em mente). Eu, tão dissimulada manipuladora vingativa! Movida pelo impulso das paixões e às vezes hedonista. Eu, que quero ser Deus e o diabo, que acho bela a melancolia, mas represento com tanta excelência (e cinismo) a felicidade. Logo eu! - que pratico a prostituição das palavras em troca de versos bonitos, logo a menina de sorriso alegre e coração promíscuo, a puta verbal. Por mim. Ela geme, se arde, se doa e se dói; e pede mais e implora e chora por tudo que eu possa lhe dar. Sofre - por mim! Que tanto jurei levianamente a eternidade. Ela precisa que eu a deseje e eu desejo. Quer que eu lhe sussurre (mentiras) e eu o faço. Se pede por carícias, beijos, corpo, pele eriçada, sangue, suor e licor, eu dou. Tão perversamente sustento o seu vício. Pra quê tanta crueldade, Céus? Por mim.

23.8.11

Coração também é carne, e a carne é fraca; meu espírito é como um corpo à parte – e dói.
Artrite na alma, anemia de afeto, amor não-correspondido é câncer [machuca se tira, machuca se fica] e quero morrer de overdose de você.
Essas palavras são minha medicina e sua dependência, você precisa disso tanto quanto eu. Te agrada. Saber que existe alguém que nunca te esquece e sempre te quer te agrada.
Você precisa de versos bonitos, frases [soltas, mas] que somente se prendam a ti; precisa ser descrita com lirismo e imortalizada com poesia.
E eu?
[pausa]
...preciso te lembrar!
Que o meu amor te cative, que minhas palavras te encantem e que minha dedicação te faça sorrir. Que pelo menos nesse momento em que você me lê [minha alma, emoções, tudo grafado frente aos teus olhos]: que eu te tenha, que eu te prenda, que me ames.
Que minha devoção me faça bela aos teus olhos – e quanta esperança boba; Deus!
Aí você me sente. Me entende. Me conhece. Me enxerga.
E por favor... – por favor! – só não permita que meu amor por ti caia no ostracismo.

21.8.11

Avulsa (falta de) sorte

Minhas mãos tremem e só consigo acender meu cigarro na terceira tentativa. Não é exatamente fácil soluçar e tragar, tragar, soluçar, chorar, engolir um nó de insegurança, sufocando minha garganta, lágrimas e fumaça inundando meus pulmões. Mas, oras, não fazem cinco dias que jurei pelos céus: "não fumo!" Não mais, não mais - assim prossigo quebrando as promessas que faço a mim mesma: sem embriaguez, sem entrega, sem doar pedaços meus para cada amor. Entre- tanto (grafado assim mesmo, separadamente) - entre tanto rancor, entre tanto sonho, entre tanta mentira; dá cá uma garrafa inteira de cachaça, dá cá teu coração inteirinho, por favor, dá cá a tua mão. Entretanto, tendo eu jurado nunca mais amar-te, nunca mais amar ninguém, encontro-me repleta desse sentimento sem destino, amando sem ter a quem dedicar meu amor da maneira devida. Lhe parece belo só por ser tão triste, e se Agosto torna-se mais desgostoso a cada ano, quem me garante que Setembro será bom, que não vão me deixar todos com a chegada da primavera? Sinto-me só, sinto-me um peso (e peço perdão todo o tempo), tristemente viva, quase em coma. Sinto-me uma pessoa horrorosa, e não me importaria em ir parar logo no inferno, o qual eu nem acredito. Quase em coma - quase; pois me engano, a mim e a todos, com sorrisos entusiasmados e abraços calorosos, obedecendo como um cordeiro àquilo que um dia ouvi chamarem "ditadura da felicidade". Já não quero freqüentar as aulas, a igreja, as festas, as reuniões em família e nem mesmo a sala de tevê. Já não tenho onze anos e meu desejo é vagar pelas praças, vagabundeando pelos botecos e acomodando-me, torta, em um meio-fio de qualquer rua (movimentada ou não, desde que não por conhecidos e menos ainda por aqueles a quem prezo). Não quero ver ninguém, exceto, talvez, a menina com aqueles adoráveis dentinhos tortos que ainda (repito: ainda) não me causou dano algum. Ela aquece um pouco o frio do inverno e atenua a dor do inferno, mas vai partir quando as flores desabrocharem. Eu sei. Todos se vão (se não sou a substituta, sou a substituída), já que tenho o valor de uma mapa do tesouro, útil até que se alcance o que realmente deseja. Me deixar por alguém mais bonita, mais inteligente, mais interessante, com pulsos limpos e sem seqüelas.
Você sabe. Pára de fingir que não! Sabe que sou errada, que sofro, que sou uma homicida platônica, uma suicída fracassada. Sabe que não sou guerreira. Sabe que tudo dói. Sabe que só não te falo isso porque a quero tão bem. Quero um café, um conhaque, qualquer bebida que seja morna; quero beleza (a tua, um pouco pra mim), liberdade, verdade... quero amor. Eu: que não fumo, que não bebo, que não sinto, que não crio, que não minto, que não dôo (de doar, de doer), que não gosto (de sabor, do verbo "gostar"), não escrevo, não escuto, não canto, não digo, não reclamo e nem me importo. Eu, que não sou parte do universo ou da vida, que sou tão desconexa e insípida, que nem existo fora desse sonho, pesadelo, estória ou jogo de marionetes entre Deus e o Diabo. Eu, que sou culpada por um pecado que nunca cometi; eu, que hei de morrer antes dos trinta (não de corpo, mas de-mente) com todas as ilusões que me preguei. Eu, que apanhei tão pouco dos outros e tanto de mim mesma! Eu, que me dei três chances, mas já estou na quinta, e nem me boto fé. Sei que a primeira chance foi, na verdade, a última. E que acabou antes mesmo do começo. Mas toda vez que morro, também ressuscito um pouquinho. Essa é minha (falta de) sorte.

16.8.11

Remédio pro desgosto, amor de Agosto.


Só me dê um pouco de amor, café e abraço – quentes, por favor, que faz frio! – nesse mês de Agosto, sempre cheio de pequenas desgraças. Segura a minha mão que treme tanto, os dedos entrelaçados, e esse é o remédio que há, melhor que simpatia, incenso ou rezar o terço. Logo Digo eu – logo eu! – com minhas crenças místicas, que não preciso de nada disso... só me faz bem ficar assim, gostando (e muito) de você. Não se assusta, tá? Não tem medo. É que eu sou assim: intensa, emocional e um pouquinho (!) desequilibrada. Me deixa falar de novo? Gosto de você, e quero gostar mais ainda (se você deixar), porque isso me ajuda. Me dá a mão, que eu já falei, é o remédio que há. E eu ainda te peço mais, passa em casa, deita aqui do meu lado, liga a televisão e a gente assiste aquele filme que eu te falei. Eu passo os dedos no seu cabelo, você sorri, a gente pega no sono.
Eu penso em você pra me distrair, mas sei que logo eu mal vou conseguir me distrair de pensar em você. Engraçado, né? É preciso um amor pra sobreviver a Agosto, mas acabaste de chegar. Fica. Fica Setembro, fica Outubro, até Junho do ano que vem e eu prometo que cuido de você. Fica muito tempo, sem data de validade, sem plano B. O plano B é você. Mas não pensa que é cobrança, tá? Não to te cobrando nada, nem esperando nada... só imaginando como seria bom.

9.8.11

SUPORTAREI

Confesso viver dizendo que não suportaria mais, mas também confesso saber que irei suportar mais uma (ou duas ou cem) troca, abandono, ciúmes, inveja, perda, decepção, lâmina na pele, noite sem sono, overdose de você, anemia de afeto, banho de lágrimas, porre engana-solidão; mais um quilômetro, uma milha, uma internação, outro acesso de loucura, visões, vozes que (infelizmente) não são a sua, sexo sem amor, amor sem sexo, tardes entediantes de domingo, livros em falta na biblioteca, maço de cigarros vazio, geladeira vazia, carteira vazia, quarto vazio, garrafa vazia, coração vazio e um imenso vazio existencial. Não nos esqueçamos dos porquês, das causas, das conseqüências, das falsas verdades (que não chegam a ser mentiras) e das meias-verdades (que também não conseguem ser verdade). Sei que suportaria morrer de amor mais uma vez, mais tapas na cara, mais quedas, mais tentativas frustradas de fazer algo certo, mais uma vez ser desprezada, humilhada, rejeitada e ainda assim conseguiria me reerguer. Mais um dia, um mês, um ano, dez, cinqüenta. Não me surpreenderia se pensasse em morte mais algumas vezes nesse mês infernal que é agosto, não me surpreenderia se tentasse, e sei que suportaria (vergonhosamente) a falha de continuar viva - outra vez.

6.8.11

Por  sua causa eu perco

a cabeça
meu  tempo e a noção dele 
as lágrimas
a razão
o sentido das palavras que eu digo
o sono e a vontade de acordar
a vontade de ler
de estudar
a coragem
e o medo, também
eu perco meus anos
meus dias
meus neurônios

...só quero mesmo é me perder em você.
"Ela me disse: - Eu não sei mais o que eu
sinto por você.
Vamos dar um tempo, um dia a gente se vê."



Ela gosta da embriaguez das bebidas mais fortes, da encrenca, dos vagabundos por excelência, de uma liberdade quase libertina; gosta principalmente das entrelinhas, e gosta disso tudo mais que de mim... e o que eu mais gosto é ela. Menina, se você gosta tanto do subentendido, eu vou pegar aquela folha de caderno que há anos sobre você eu tanto escrevi e rabisquei, e entre duas linhas, olha: gosto tanto de você! Não passou, aquela eternidade que eu te jurei tá demorando tanto pra acabar! Se eu soubesse quebrar minha promessa com a facilidade que você me quebrou - coração, sonhos, ilusões, tudo de uma vez e com a intensidade de um fim-de-mundo. Quebrou até meus argumentos pra dizer "não, fica..."; mesmo que fosse fraquinho, mesmo com essas reticências no fim.
Ela é fria e até  um pouquinho cruel, talvez sem querer (quem sabe?). E talvez, também sem querer que ela me lê assim, como se eu fosse palavras simples. Minha alma escrita na palma de uma mãozinha pequena. Sem se arrepender das mentiras que me disse, do amor que (se tu me tinhas, era pouco e) se acabou; sem se lamentar do que era pra ter sido e não foi... mas por favor, eu lhe peço, toma aqui aquela velha folha do caderno e responde entre suas linhas: você tem saudade?

4.8.11

DESABAFO


Outra que também parece que nunca esqueceu seu amor do passado...


"Do passado". Não precisei piscar os olhos para estar no passado. Estou quatro anos atrasada, me sento exatamente onde estou sentada agora e meus olhos se enchem de lágrimas. Eu não deveria ter faltado à aula. Seu fantasma, ele deveria ter ido embora, o tempo o devia ter apagado... mas ele permanece aqui, mais sólido do que jamais esteve em toda a minha vida. Conheço os seu vocabulário e as suas mentiras mais freqüentes, e você não conhece as cicatrizes que me causou. Quatro anos atrás e as mesmas lágrimas vêm à tona. Lágrimas recicladas, talvez, como todo o meu corpo, meus pensamentos, minhas memórias de lugares que nunca existiram – um abraço infinito na periferia e um muro pichado como o meu caderno de pré-adolescente sensível, eu e minha saia colegial que agora mal cobre um quarto das minhas coxas. Eu era tão pequena... 

...se essa mentira é o sonho de alguém, se essa mentira faz alguém levantar todos os dias e sorrir...

Você foi  não!, você é o maior dos meus erros, e o erro que me fez ser quem eu sou. Um erro do qual, por mais que eu tentasse, eu jamais consegui me arrepender. É a saudade que nunca passa, e quando passa... quando passa, por Deus, eu a busco de volta! É melhor mesmo não desistir nunca; é melhor, também, não perder tempo lutando. Eu queria era viajar no cronos... e se eu estivesse exatamente aqui, onde eu estou agora, os olhos cheios de lágrimas, eu teria pedido: "fica". E eu nunca teria descoberto, nunca teria te descoberto. E talvez  só talvez... –, tão naturalmente quanto lembrar de você agora, eu teria me esquecido. 

Mas vai saber, né? Você já disse, eu já disse, nós sabemos... toda vez que nos separamos em uma encruzilhada qualquer, eu acabo pegando o retorno.

3.8.11

AMOR, SPERANZA, FIDE.

Tirou da bolsa o maço de cigarros com sua advertência favorita do Ministério da Saúde - morte. Tinha aquilo para si como um pequeno tesouro, igual a quando colecionava cards na infância e tirava um daqueles platinados brilhantes, ou como o moço do livro que colecionava cartas de coringas, ou a mãe que adorava receber de presente diferentes fuscas em miniatura. Morte era a sua favorita pelo simples fato de que era para todos: brancos, negros, pardos, amarelos, gordos, magros, ricos, pobres, políticos, professores, artistas, fumantes ou não. Todos morreriam. Às suas costas, a catedral matriz; à sua frente, a simplória barraquinha hippie, repleta de filtros de sonhos que Catarina tanto desejava. Não tinha um tostão! Não tinha emprego, casa própria, motocicleta, idade o suficiente, amor que lhe alimentasse ou tarefa que a distraísse naquela tarde nublada; então observava os brincos de penas, namorava os aneis de pedras semi-preciosas, jogava conversa fora com os velhinhos de cabeça branca que jogavam milho para as pombas no chafariz de água suja, se equilibrava andando em cima de muretinhas e espantava os passarinhos que ciscavam em paz na grama. Emprestou, com simpatia, o isqueiro para o moto-taxista, sorriu para as crianças que brincavam no parque, comprou um picolé. Mas que grande merda estava aquele mundo! As pessoas faziam o sinal da cruz para a igreja e ela imitava, sem saber porquê, enquanto adentrava os portões de mosaico coloridos. Rezava sem saber rezar, chorava porque gostava de chorar e olhava os fiéis ajoelhados que, fora daquele teto, eram pecadores de coração sujo tentando lavar a alma com o sangue imaginário de um Cristo de mármore sobre o altar.
Queria que hovesse uma cigana sentada aos pés da escadaria, que ela lesse sua mão e dissesse o óbvio: menina, você vai morrer. Quem não vai? Que inventasse que o amor da vida dela seria encontrado quando Júpiter e Marte se alinhassem com a Estrela D'alva num ângulo de setenta e três graus, qualquer coisa que a menina reconhecesse como mentira mas pudesse colocar numa história. Queria que lessem para ela as cartas de tarô, tirar a morte como no verso do maço de cigarros, tirar a roda da fortuna pra que a vida mudasse, tanto fazia, na verdade! O estado estava decrépito, a democracia nunca existira, nem o comunismo, nem o cristianismo judaísmo islamismo hinduísmo budismo satanismo ou paganismo algum, porque todo mundo é hipócrita desde sempre e pronto. Suspirou. Estava sendo uma negativista, mas o que fazer? Sua lua decerto estava na casa errada, ou algum demônio a assombrava, ou - para os céticos - era só acaso. A lei estava torta, as costas estavam tortas, a chuva pingava torta e seu coração estava quebrado (mas o coração de quem não estava?). Pediu amor, pediu esperança, pediu fé pra crer que as coisas melhorariam. Pediu liberdade, pediu beleza, verdade e pediu amor outra vez, porque sem amor não dá pra fazer nada direito.