28.4.11

EXPECTATIVAS INEXISTENTES NÃO SE QUEBRAM

- Vamos logo com isso - a voz de Alexa era seca e um tanto áspera.
Será que ela algum dia realmente amara Dimitri? Eles mal haviam se beijado - um mero roçar de lábios, talvez? Alexa não percebia sentimento algum no ato de Dimitri despí-la (tampouco da parte dela), mas isso pouco importava. Se um dia amou aquele rapaz, fora como em outra vida; em uma vida em que aquele ainda era seu doce, desajeitado, tolo e indefeso Dimitri. E mesmo assim, nada mais natural que eles partilhassem aquela experiência.
Dessa vez - diferentemente das vãs tentativas anteriores, anos atrás -, ele sabia como fazer as coisas. Talvez um pouco de prática. Sentiu-se tentada à crueldade, a dizer que poderia muito bem fazer aquilo sozinha. Mas conteve-se. Dimitri realmente havia progredido, talvez porque Alexa também tornara-se mais permissiva. Até porque ela também havia mudado quase completamente: já não era mais a menina insegura e sôfrega de amor - era quase uma mulher (veja bem: quase), estava entediada, o vinho a havia deixado um pouco tonta e lhe divertia a idéia de que não estavam sozinhos ali; a chave do quarto se perdera, alguém poderia surpreendê-los a qualquer momento, e aí os dois estariam muito encrencados.
Era uma atriz. Com que facilidade e com qual descaramento ela não disfarçaria seus gemidos como se fossem soluços de pranto, caso viessem a perguntar-lhe mais tarde? Habilmente, mentiria que o suor nas maçãs do rosto eram marcas de lágrimas. Alexa e Dimitri agora formavam um perfeito par de cínicos: ela, uma mentirosa docemente melancólica, derramando as dores de seu coraçãozinho fragilizado e partido sobre o compreensivo e fingido amigo.
Todos diriam que os dois eram como irmãos. Eles com certeza ririam disso, mas concordariam. Diriam que estavam apenas se ajudando a suportar as pesadas mágoas de seus amores frustrados. Não era de todo mentira. O consolo é que ali, entre aquelas quatro paredes, expectativas inexistentes não machucariam ninguém. Era só um jogo, mais uma vez. E Alexa gostava de jogar.

27.4.11

PEQUENA

Pequena, eu perdôo. Entendo que toda a confusão nos seus pensamentos sempre te levam às piores decisões. Afinal, você se decidiu por mim, não foi? Você errou, é verdade. Mas também é verdade que todo mundo trai, todo mundo mente e se engana, e cabe ao amor liberar o perdão. Você vai ter que me perdoar, também, já que quem além de você, quem conhece cada um dos meus defeitos incorrigíveis? Principalmente essa mania que você odeia de sempre partir. Eu já tinha te avisado pra jamais amar um animal selvagem, mesmo que ele já esteja encantado por você (como eu juro que estou). Mas eu já te disse uma vez, vou dizer de novo: meu coração sempre voa de volta para você. A pequena princesa me cativou, não há como negar.
Pois saiba que eu não vou te fazer o que você me fez, esteja certa disso. Fique sabendo que eu não pretendo enganar ninguém. Sempre tenho um milhão de falsos amores, me tornaram desse jeito, não páro a minha vida por nada e te aconselho que você também não pare: vamos andando; corra, se tiver vontade; pode ir mais devagar, se cansar - mas não se detenha.
Lá na frente a gente se encontra e divide o último cigarro do maço, divide o último gole do vinho, te entrego o restinho da minha lúcidez e me entrego de uma vez à minha loucura por você. Espera só mais um pouquinho - ou talvez bem mais que isso - até nossos caminhos se cruzarem. Até as retas paralelas se encontram no infinito.

26.4.11

LEI DO ETERNO RETORNO

O Mundo gira trezentos e sessenta graus só pra te trazer de volta ao lugar onde você me deixou. E aí a gente compara um pouco as nossas vidas, eu te conto sobre quem eu tentei amar enquanto você não vinha. Você ri do meu fiasco e diz que o tempo nunca vai me fazer te esquecer. Eu finjo ficar brava, mas no fundo eu sei que é sempre verdade. Você me pergunta se eu já conheci alguém melhor, eu desconverso. Você acha graça, só porque sabe que isso não vai acontecer. Por pior que você seja – que você foi, sei lá -, por mais que tenha mentido tanto, me feito chorar daquele jeito, que tenha sido assim, tão prepotente (de um jeito que eu confesso que sou meio – meio? – apaixonada.)... meu sentimento permanece: imutável, imperecível.
E no meio da nossa conversa, vem o momento em que eu te rogo a praga habitual: ninguém nunca vai te amar como eu te amei (você sabe que com “amei”, eu quero dizer “ainda amo”); você concorda, tem que concordar. A gente fica lembrando do passado, sabendo que ele ainda está presente - mas isso não precisa ser dito. Afinal, você sempre sabe o que eu sinto, eu sempre sinto o que você sente, e tudo fica melhor assim. Pra falar a verdade, meu coração fica mais leve quando você está aqui.
O que eu posso dizer? As horas passam, mas os ponteiros de um relógio sempre retornam ao ponto de partida. Qual foi mesmo o filósofo que disse que nada muda realmente? Heráclito, Parmênides...? De qualquer forma, não é importante. Tudo perde um pouco de sua importância perto da sua volta.
Minha alegria é que você esteja, hoje, um pouco mais perto do que estava ontem. Pode vir, se aproxima mais um pouco. Ainda há tantos segredos a se desvendar! Não precisa mais mentir, não precisa mais fugir... senta um pouco do meu lado, fica aí. Mas se você precisar de mais um tempo, tudo bem. Você sabe que eu vou a qualquer canto pra te encontrar. Não tem jeito, mesmo. Já faz algum tempo em que eu encarei a realidade: se existir mesmo esse tal de destino, é melhor aceitar de uma vez. Se existir mesmo esse tal de destino, você com certeza faz parte dele.

BETTER SOUNDS LIKE BAD

Se equilibrar naqueles saltos, naquela rua de paralelepípedos, seria algo como andar na corda bamba, não fosse o braço de Stefan ao redor da cintura de Alexa, prendendo-a forte contra ele. Era tão seguro! Logo segurança, essa sensação nunca experimentada antes pela garota. Stefan adorava Drummond, Alexa também. Ele conhecia de cor as passagens de Exupéry. Diabos, ele abrira a porta do carro para ela! A droga da porta do carro? Ela não devia estar louca por ele? Ela estava interessada, naturalmente. Encantada. Claro que ela se sentiria completamente louca por ele… se fosse outro. Mas esse não era o caso. Alexa estava tonta. Ela tinha planos para aquele rio. Para aquele cheiro. Para aquele luar lindíssimo refletido nas águas escuras. Lágrimas. Ah, ela precisava se concentrar. Arranjar algo interessante para dizer. Alexa estava sempre dizendo alguma coisa. Stefan estava sempre escutando. Não era maravilhoso? Era, decididamente era. Então por que aquele nome agora? Por que aquelas lembranças? Por que aquelas… ah, não, as lágrimas. Sim, elas viriam. Elas vieram. Acalme-se, Alexa, elas já se foram. Mas que tontura! Que frio, não é? Sim, está frio. Por isso estou tremendo. Stefan estava tremendo também. Stefan estava tocando a sua mão e os dedos dele estavam trêmulos. Essa música… ela gostava dessa música também. Jura, era a primeira que Stefan tinha ouvido deles. Sério Era a música que ela costumava ouvir quando estava triste. A dele também. Alexa gostava dela na trilha sonora daquele filme… Sim, Stefan adorava aquele filme! Era o favorito de Alexa. Nossa. É, uau. Eles se pareciam tanto. Ela devia sorrir agora. Esquecer de tudo. Muitas palavras, palavras, palavras… Alexa gostava das palavras, mas elas começavam a incomodá-la. Stefan também não parecia mais interessado em falar. Mas ela precisava dizer… ela precisava. Não, ela não diria. Mas ela disse. Tão típico dela! Tudo bem, ele entendia. Sim. É claro. Está mesmo frio. Está, sim. E aquele abraço… havia ali um quê de compaixão? De proteção. Sim, Stefan sentia a tristeza dela. Muitas confissões. Aquela tinha sido uma noite triste com uma belíssima fantasia de felicidade. Muito convincente. Alexa quase se convenceu. Parecia que toda a confusão tinha se dissipado. Que estava tudo bem. Ela só queria que aquela noite não acabasse nunca…
… Mas só porque todas as feridas voltariam a doer, se não com mais força, na manhã seguinte.

CARTA PARA MIM MESMA

Lembre-se sempre de quem você é, de quem você quer ser e crie uma síntese. Acredite -  no deus amor, no bem, na justiça ou em você, só não deixe o ceticismo drenar a sua alma. Se ame, mas não tanto a ponto de se considerar tão boa e não se permitir progredir. Se corrija, mas seja misericordiosa. Você não tem o poder de se punir e isso não cabe a você. Alimente a fé, a esperança e o amor. Ore, mesmo quando não souber as palavras certas. Arrependa-se - se os teus erros te tornaram quem és, muito provavelmente a pessoa que você é hoje não iria querer errar. Exija de si mesma apenas o bastante, nem demais, nem de menos; não se obrigue a ser melhor do que você pode ser, e também não seja pior que isso. A sabedoria é maior que a inteligência, a virtude é maior que o talento, a fé é maior que a força e o amor é maior que tudo isso. Jamais, jamais esqueça do amor, o primeiro, maior e mais importante dos mandamentos. Os meios são perdoados se o fim for o amor. Sinta com intensidade, as coisas boas e as ruins, porque é isso que vai lapidar a sua personalidade. Organize seus pensamentos e nem sempre faça o que eles mandarem. Enlouqueça quando for necessário, mas não perca a cabeça. Estabeleça um equilíbrio entre seus instintos e a sua sensatez. Fuja do ódio. A raiva é saudável, mas o ódio apenas destrói. Quando todos os seus desesperos, mágoas, fúrias, medos, inseguranças, traumas e tristezas cozinharem e borbulharem em sangue quente, abaixe o fogo ao invés de atiçá-lo. Não induza a explosão dos seus próprios sentimentos. Contenha-se em si mesma. Não se conforme. Respire. Respeite. Leia mais, cante mais, dance como se não estivessem vendo. Não tenha medo de mostrar seu rosto. Aprecie sua própria companhia. Aprecie a destruição, porque em todo final existe a beleza de um recomeço. Não existe só o seu ponto de vista e você não é a dona da verdade. Pregue a liberdade, a beleza, a verdade (mesmo que seja a sua), e o amor. De novo o amor, sempre o amor. Quebre e recrie. Creia no pra sempre, deseje-o, almeje-o, mesmo sem a certeza de que ele existe. Busque a eternidade. Busque a felicidade. Não se apegue à essa melancolia de beleza falsa e brilhante. E viva o hoje. O amanhã não existe, nunca existiu. 

DANGER ZONE

Essas marcas, as marcas. Ele olhou para as marcas. Assustado? Piedoso? Não sei dizer. 

- O que é isso?
Ah, isso? Não, não é nada. Eu sou perturbada. Apenas. Não se preocupe.
- O que diz aí?
Sorri melancolicamente:
- “Ajuda”. Foi o jeito que meu sub-consciente encontrou de me dizer o que eu preciso. 
- De mostrar para o mundo, você quer dizer.
- Não. Na verdade, talvez. Eu estava escondendo. Mas, sabe… isso sou eu. Com minhas loucuras, meus desesperos, minhas mágoas, meus medos, meus distúrbios. Eu não sou só esse sorriso. A maior parte do tempo, eu não sou esse sorriso. Então talvez seja algo a dizer para o mundo, sim. Mas não pedindo ajuda. É mais um aviso: “Cuidado. Se você se aproximar, é com isso que você está se metendo”.

(pra recordar, parte II)

Um cigarro atrás da orelha, um perfume só seu, gosto de cerveja, olhos multifásicos, furta-cor - verdes, âmbar, marrons. Eu gosto de você, talvez até demais. Gosto de um jeito que me acrescenta. Por gostar de gostar, por querer, por pensar em nós dois mesmo quando há tanto a se fazer (textos a serem lidos, aulas a serem assistidas e eu te encontrando em tudo).
É verdade que eu errei em tantas coisas, fui imprudente com meus sentimentos e com os de tantos outros! Mas devo ter feito alguma coisa boa, afinal. Perder uma aposta e ainda assim me sentir tão bem… você foi o palpite certo. E graças aos meus erros, a todo o meu sofrimento, aos caminhos tortuosos que me trouxeram até você. Isso se tornou um vício como o fôlego dos meus pulmões - não o ar, entenda, mas o fôlego pra correr, cantar, rir, tudo ao mesmo tempo. Seu sorriso torto, seus cabelos bagunçados,  suas mãos úmidas, o cheiro do seu moletom,  frases soltas que conseguem a façanha de me deixar sem palavras. É tão simples, de uma forma que eu nunca pensei que aconteceria. Digamos que essa é a minha surpresa favorita.
E que se não houver um céu ao fim de todas as coisas (sei que não acredita que exista mesmo), tenho sorte de que haja um quando estou com você.

(pra recordar)

Minha aparência estava horrível. Eu tinha frio, fome, pouco dinheiro, uma neblina de melancolia claramente visível nos olhos e um tremendo medo. Medo dessa coisa de gostar demais de alguém ou de alguma coisa.
Eu me lembro de quando tinha receio quanto a cigarros, no começo. Coisas que são boas e me levam à loucura quando estão em falta? Não, obrigada. Sempre gostei de viver solta, livre – de regras, de rotina, de dogmas e de vícios. E era clara a questão: eu estava me tornando uma viciada.
E falando em cigarros, lá estava você, com um entre os dedos, ainda inteiro, vans gastos, branco no preto e, naquele momento, não havia medo. Naquele momento, me senti extremamente sortuda. Entre um rosário de erros, culpa e levianidades, depois de tudo isso, lá estava você, com um cigarro entre os dedos, vans gastos, branco no preto. Sem engano, dessa vez. Eu sabia. E como eu gosto de olhar para você!
E já não me importavam o meu cabelo desarrumado, o estado da minha cara, minhas pernas e braços nus congelando, meu estômago e carteira vazios, a neblina se dissipara e era engraçado… a cura para o meu medo era ele mesmo.

CARPE DIEM

A humanidade nasceu ontem e já se acha dona do mundo, se acha mais forte que a pragas, terremotos, tsunamis e vulcões. Que se foda essa raça frígida, que não se impressiona com a morte, com a lei da gravidade, com a evolução das espécies; que encara a rotação da Terra como apenas mais um fato cotidiano maçante. Que se foda essa gente que perdeu o tesão pelo nascer do Sol e pela metamorfose da lagarta em borboleta. Que se foda esse cinismo que engoliu a alma dos jovens que deviam ser revolucionários.
Que se fodam os mp3, 4, 5, mp1000, andróides, sites de relacionamento, coito interrompido, livros de auto-ajuda, música eletrônica, neurose, viagra, impostos, pedágio, energia nuclear, gráficos, caça às baleias, desmatamento, neonazismo, direita, “esquerda”, escravidão, normas, hierarquias, fast-food, embutidos, transgênicos, clonagem, monogamia, instituições do governo, hora-extra. Que se foda.
Esse é o século da razão, e o mal da razão é a apatia.
Então, por favor, basta enxergar o milagre, se surpreender com o fato de estar respirando, de que seus membros se movem ao seu comando e se maravilhe por nunca poder entender o tamanho do universo.
Carpe fucking diem.

DEUS, PROTEJA A MINHA CRIANÇA

Caso eu sinta que não existe razão pra continuar viva, firme e forte, eu vou me lembrar de você. Vou me lembrar do seu sorriso. Do seu beijo cheio de baba, e até daquele beijo nervoso que você dá com força e me empurra depois, quando eu te importuno demais. Eu vou lembrar de você subindo na televisão, na beliche, escalando a estante de livros. Vou lembrar de como você adora a Turma da Mônica, de você se empenhando em ler os quadrinhos, mesmo sem entender nada.
E aí eu vou lembrar que você precisa de mim. Precisa de alguém que te dê jujubas escondido da sua mamãe, de alguém que te deixe pular na cama de molas até as onze da noite e que coloque os desenhos no dvd, mesmo quando já passou da hora de dormir. De alguém que cante aquela única música que te tranquiliza; vai precisar de uma mão pra segurar enquanto tenta dormir, e de alguém que corra com você por toda a beira-mar, porque o papai está cansado demais pra ficar sob o Sol. Vai precisar de alguém que te defenda do nosso irmão, quando ele insistir demais pra que você fale coisas que você ainda não consegue.
Não posso me esquecer, também, de como você sempre corre em minha direção, os braços abertos, e pula em mim - uma vez, sua cabeça bateu com força no meu queixo e nós dois choramos. Não posso me esquecer daquela vez que você acordou chorando quando eu me soltei do seu abraço e tentei sair do quarto. Não posso me esquecer de quando você aprendeu a falar o meu nome, de quando você aprendeu a dizer “te amo”. Não posso esquecer da primeira vez que eu te vi - e naquele momento, nenhuma morte importava, e nem o cansasso da viagem, e nem como você se parecia mais com um etezinho do que com um bebê, porque eu sabia que a partir dali, as coisas teriam um significado novo. Não posso esquecer de você, meu amor, meu piccolo, meu mini-pufe, meu príncipe. Porque eu te amo.

PARA SOFIA

Eu me olho no espelho e não é o meu rosto que eu vejo. Meu reflexo tem olhos azuis, a pele clara, os cabelos dourados e faz um perfeito contraste físico comigo, mas a alma é a mesma. A mesma alma exagerada, intensa, inquieta, livre, inconformada, imprudente, dramática, transitória e multipolar. Os mesmos pulmões sujos, as mesmas vísceras fracas, o mesmo espírito grande demais pra ficar preso na carne.
O nome dela é sabedoria, o que é meio engraçado. Engraçado porque ela não sabe bem o que fazer bem com tantos sonhos em uma vida tão curta. Sonhos, não planos, porque ela também não é lá muito boa em planejar. Ela é um desastre com qualquer coisa que necessite um mínimo de organização. Pudera, a mente dela é um caos.
O nome dela é sabedoria, o que faz muito sentido, já que ela anseia tanto por fazer caber o universo inteiro em sua cabeça.  Pensa, logo muda de idéia. Não é lá muito apegada a conceitos, dogmas; não precisa gravar suas opiniões em rocha. Sabedoria, pois ela sofre constante metamorfose, e, vendo parte, quer enxergar o todo.
Sofia não é lá flor que se cheire. Não é flor que se colhe e coloca em um buquê. Vai crescendo sem poda, sem cuidado, se enroscando onde quer ou até distraidamente sem querer onde não quer, às vezes. Algumas pétalas meio comidas pelos insetos que a machucaram, mas tudo bem. Ela tem espinhos fortes. E já dizia Saint Exupéry que é preciso suportar algumas lagartas se quiser conhecer as borboletas.
Através do espelho, é Sofia quem eu vejo.
E antes do desfecho, um segredo. Se antes de amar os outros, é preciso amar a mim mesma… é olhando pra ela que eu vejo beleza em mim.

NÃO ESQUECER DO RÍMEL NA BOLSA

Lembra? De quando metade de mim era medo, a outra era ódio? Eu tenho certeza de que você vai se lembrar, se fizer um pouquinho de esforço. Dessa vez, era quase igual, mas havia um pedacinho de tristeza em um dos cacos da minha alma, e dessa vez eu decidi pegar o caminho oposto, e dessa vez eu fui uma pessao realmente horrível - e nenhuma lágrima foi derramada. Uma garota não pode sair à noite sem o seu rímel. E a chuva. A chuva dava um toque cinematográfico.
Sem dinheiro, sem destino - “eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim”, não é? Eu sou corajosa. Morria de frio. Tremia de raiva. É engraçado como as pessoas deixam pra lhe mostrar amor apenas no último minuto, quando estão prestes a te perder. Sempre foi assim. Eu não ligava, na verdade. Eu sei mentir olhando nos olhos, com frieza, sem jamais desviar o olhar. Eu sei negar o óbvio. Eu sei machucar sem sentir compaixão. Uma hora, a gente cansa de ser a vítima, escolhe a vilania e se sente bem.
Infelizmente, tenho que admitir que eu só precisava de um beijo. Daqueles que me deixam com a respiração ofegante, corpo trêmulo, um beijo que me parasse, deixasse minhas pernas bambas a ponto de me impedir de correr para longe naquele momento. Um abraço que me prendesse. Mais uma vez, eu precisava de algum tipo de príncipe encantado - ou princesa, que se foda essa idéia de que apenas cavaleiros de armadura podem combater dragões -, alguém que lutasse por mim. Mas meu amores sempre foram fracos demais.
Tudo o que eu consegui foi um resfriado. Respiração fraca, pés gelados, sorvete na minha caneca amarela favorita. Era razoável, por que não? Eu podia conviver com aquilo, se escutasse aquela voz por uma hora ou duas. Se eu conseguisse, ainda, provocar aquelas sensações nas pessoas. Então - não tudo, mas enfim - estava bem. Eu poderia esperar. Eu estava acostumada a esperar.

SOBRE O AMOR, EU APRENDI:

All you need is love. O amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor é o fogo que arde sem se ver. Sem amor, eu nada seria. O amor é cego. Love is old, love is new. The Beatles used the word love 613 times in their songs. Love hurts, even if it’s right or wrong. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Amar não é aceitar tudo. Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal. Love’s an excuse to get hurt and to hurt. Existe o amor que comete erros, mas também existe o amor que perdoa. O amor só é amor, se não se dobra a obstáculos e não se curva à vicissitudes… é uma marca eterna… que sofre tempestades sem nunca se abalar. Se você ama uma pessoa, ela vai te machucar. Se não for assim, não é amor. O amor é o calor que aquece, queima e transforma em cinzas a alma. Amar é bobagem. Amar não é saber. Você pode amar muito uma pessoa e ir para a cama com outra. A medida do amor é amar sem medida. O amor eterno é de muito breve duração. O homem não morre quando deixa de viver, mas sim quando deixa de amar. É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. O Amor é o único deus em que todos deveriam acreditar. O amor é a compensação da morte.  Amor! Sensata loucura, sufocante amargura, vivificante doçura. Só pelo amor o homem se realiza plenamente. É difícil para os indecisos. É assustador para os medrosos. Amar é um elo entre o azul e o amarelo. Amar, é encontrar a própria felicidade na felicidade alheia.
etc,
etc,
etc.

PERIGOSAMENTE PERTO

As lágrimas marejavam os olhos castanho-claro de Audrey, tornando-os quase verdes. Ela mal podia continuar segurando o choro, e Adam mal podia continuar segurando as mãos dela; mas eles estavam se esforçando para isso.
- Posso pedir perdão? Eu não tinha a intenção de te fazer chorar… - tentou ele, com cautela.
- Não estou chorando. - rebateu ela com secura, talvez até com alguma agressividade. Adam podia sentir as mãos trêmulas dela, ouvir a voz falha.
E o silêncio, esses segundos que pareciam tão eterno quanto o amor devia ser.
- É difícil esquecer - continuou ela, a voz agora mais calma e um tanto melancólica -, só isso.
- Eu sei, Audrey. E eu me arrependo de todas as vezes em que errei com você.
Agora ela realmente não podia mais suportas as lágrimas; piscou com força e deixou que elas caíssem pelas maçãs do rosto. Com um sorriso triste e forçado, soltou suas mãos das de Adam - mãos bem mais macias que as dela. Suspirou, e o ar ardeu como fumaça ao entrar e ao sair de seus pulmões. Não conseguia olhar para ele. Encarou os pés.
- Eu não sei porque você está indo embora, mas você deve ter seus motivos… - Audrey conseguiu dizer num murmúrio falho e quase inaudível; com um esforço enorme, deu de ombros.
- Eu estou vendo as lágrimas nos seus olhos, Audrey… - Adam segurou o queixo da garota, erguendo o rosto dela e secando suas bochechas com o pulso esquerdo. - Está ficando tarde…
Era verdade. O Sol se punha. Era tão bonito, de um jeito triste, o fim daquele dia. O fim daquilo tudo? Isso só deixava as coisas mais difíceis.
- Quer que eu te leve pra casa?
Claro que ela queria, mas não conseguia responder nada. Não sabia se estava pensando ou sentindo isso, mas era como se ela estivesse perto demais, como se estivesse tentando entrar numa vida da qual ele a estava empurrando. Como se houvessem segredos que ele não queria que ela descobrisse. Ela não podia entrar naquele carro.
Fez que não.
- Lembra… quando a gente escreveu os nossos nomes na areia? - Audrey sentiu-se idiota ao perguntar isso. Ela sentia-se idiota chorando na frente dele. Mas doía, doía e sufocava, e ela precisava colocar isso pra fora.
Adam acenou com a cabeça. Ele se lembrava. Como esquecer?
- Você mudou de idéia, não foi? - outro daqueles terríveis sorrisos forçados. Era preciso um esforço monstruoso apenas para um curvar de lábios.
Não. Ele não tinha mudado. Ela não tinha mudado. Mas isso não podia ser dito por ninguém. Eles eram simplesmente obrigados a saber, ou obrigados a esquecer. Não fazia mais muita diferença, agora.
Adam não podia dizer a verdade. As bolsas abaixo dos olhos estavam inchadas, talvez porque estivesse segurando suas lágrimas ou algo assim. Audrey pensou que ele devia guardar suas mentiras lá. Mas apesar da dor, apesar da mentira, ela precisava dele naquele momento. Abraçou-o com força, jogando os braços em volta daquele pescoço quente que ela costumava beijar. Adam sentia as lágrimas escorrendo nele, e passou os braços ao redor da cintura dela como se quisesse voltar atrás, apertando-a contra si com força o suficiente para fundir as duas almas pela última vez.
- Tá tudo bem, calma…
Não estava tudo bem.
Ela o soltou. E deixá-lo ir doía como o inferno. Mas ela deixou. 
Tirou do bolso traseiro um envelope amassado e estendeu para ele, que o pegou. Audrey mordeu o lábio inferior - estava nervosa, arrancou uma película com os dentes. 
- Eu escrevi isso pra você ontem. Era sobre como eu me sinto… sentia. Sinto. Sei lá. Acho que não importa mais, não é?
Ele não respondeu.
- Foi o que eu imaginei - Audrey deu de ombros, os olhos agora secos e a cabeça erguida. - Boas festas, Adam.
Ela virou de costas e se foi, exigindo de si mesma, a cada passo, uma força que nunca possuíra. Faltavam exatos sete dias para o Natal.

(esse texto não é meu.)

 
“Ele tinha 19 anos, era vagabundo, sem futuro, pensava em sair com os amigos, andava de skate, tinha uma ex namorada, morava em São Caetano.Ela era novinha, inocente, falava muito, carinhosa, ciumenta, vivia se mudando.

Há 4 anos atrás ele não fazia idéia de como essa garota poderia mudar a vida dele, ele tinha um segredo, e ela tinha sonhos.Ele nunca soube o que é o amor de verdade, e ele nunca imaginou onde tudo isso fosse parar, se tudo isso não foi amor, foi o mais perto que ele conseguiu chegar, ele fez sofrer, fez chorar, decepcionou alguém que ele tanto ama, ele nunca quis tudo isso.Pra falar a verdade, ele não planejou nada disso, nem magoar alguém e muito menos se apaixonar.
Ele mentiu, foi frio, enganou, mais ele não mudaria nada disso, tudo que ele fez, todas as cicatrizes que ele deixou fez tudo isso se tornar eterno, fez ele se tornar dependente desse amor.Ele não queria que ela descobrisse a verdade, ele tinha medo de perde-la, porque ele sabia que ela queria te-lo por perto, e a dor de perde-la ele não poderia suportar.
Ela descobriu a verdade, e ele descobriu que o que ela sente é tão verdadeiro a ponto de perdoar e aceitar, hoje ele ama ela mais que ontem e sabe que isso não vai passar.”

DE MÃOS E CORPOS VAZIOS

Sem Alma,
sem certeza
sem medo e sem dinheiro.

Sem coração, 
sem direção
um pouco de caos, vodca e gelo.

Sem lembranças na carteira,
sem reciclar os erros
vou apreciando os destroços,
lutando até o dia do meu enterro.

APRENDI

Aprendi que não se deve misturar bebidas demais. Aprendi a mentir. Aprendi a segurar o choro com meu orgulho, a achar graça das minhas desgraças, a apreciar a beleza da destruição. Aprendi que todo mundo engana, todo mundo trai, todo mundo tem sentimentos, e aprendi até mesmo a ferir esses sentimentos.  Aprendi a me vingar, mas também aprendi a perdoar e deixar esse trabalho pro Anjo da Vingança Divina. Aprendi que o amor não move o mundo, mas move as pessoas, que podem mudar o mundo. Aprendi a ser meio cínica, meio desconfiada, meio grossa e muito clara. Aprendi a amarrar os sapatos, a não fumar dentro de casa; a não beijar qualquer um, a não sorrir para qualquer um, a não confiar minha estabilidade emocional a ninguém além do meu psiquiatra. Aprendi que os bichos são melhores que os humanos, que as convicções são inimigas da sabedoria e que cada ato, por menos que seja, interfere no universo. Aprendi a andar de bicicleta, a cair metaforicamente, a cair literalmente, que há sempre uma luz no fim do banho, que a música afeta todos os seus seis sentidos, aprendi a apanhar, a brigar, a me esquivar,  a teimar e até a desistir quando necessário.
Mas, meu bem, eu jamais aprendi  direito a ver as horas. É por isso que o meu passado se perde, o futuro é nebuloso e que nada no mundo me importa mais que o agora.

PAÍS DOS ESPELHOS

Não é bom se sentir apenas ok. Espero que você entenda, prefiro me sentir horrível ou ótima - o céu ou o inferno. Tenho me sentido meio distante de mim mesma. Eu cotumava ser extrema, mas me tranquei numa concha. Como se estivesse presa numa enorme sala branca, sem janelas ou porta; os fantasmas atravessam as paredes sussurrando, mas isso não importa. Eles não são quem eu quero. É como se eles não existissem. Estou sozinha.

Eu sinto falta das emoções. Nem mesmo meu desespero me parece intenso. Não posso sentir. Tenho sede de sentir sede, anseio por desejar. Quem sou eu? Certamente não a mesma de hoje de manhã, e definitivamente diferente de uma semana atrás.

Estou perdida, mas estou aqui.
Então eu quero rir até doer, chorar pra sentir prazer. Quero que o gelo me queime, que o fogo seja gelado. Quero de volta minha velha juventude. Por favor, me devolvam minha contradição; me devolvam pra mim!
E agora posso parecer louca, mas no lugar de onde eu vim não é desse jeito. No País dos Espelhos, onde tudo é ao contrário, o feio é bonito e a alegria é nauseante. Onde o dia é assustador e a noite aconchega. Não há um dia em que não me pergunte o que vim procurar aqui, sem ninguém pra amar nem nada a temer.
Preciso me encontrar. Onde você está, outra parte de mim?

FRAGMENTADA

Em dois, cinco, mil
Tantos pedaços!
Que se ao menos se unissem,
Se pudessem encaixar-se
Se fariam uma alma só.

Caleidoscópica
e de tantas facetas perdidas
perdidas
partidas
partiram.

Instável, inconstante
Imprevisível inquieta insegura
inadequada incomodada
... incômoda.
Mas não inerte, ah! não!
tampouco inteira.

Fragmentada. Caleidoscópica,
perigosamente quebrantada
os cacos...
qual é a palavra?
Não há palavra.
A palavra Sou Eu.

"PENETRA SURDAMENTE NO REINO DAS PALAVRAS"

A beleza das palavras ditas, escritas, 

de alguma maneira formuladas
não se equipara à grandeza,
à Glória das palavras mudas.
Daquelas que não tem forma, grafia nem pronúncia,
que só possuem a leveza dos pensamentos e das sensações
das imagens.
Pouco sóbrias, mas tão, tão solenes
só mesmo Deus é mais louvável - mais nada
que essas tímidas palavras silenciosas.



Os contos, os poemas
as odes, os sonetos, as baladas,
as confissões
as canções
declarações de amor
são belos, sim.
Feitos imutáveis, eternos, reais
mas de uma beleza refletida, apenas,
desses versos que se escondem.



Como o luar nada mais é que o reflexo
do Rei Sol que governa a manhã
e a tarde
e o finalzinho da tarde.
Mas o luar e a própria lua,
o luar e a fôrma das palavras...
as palavras sem forma.
Ah! não estes.
Estes pertencem aos vagabundos, aos boêmios
aos perdidos e aos amantes
aos jovens, aos loucos
e aos poetas.
Jamais aos leitores.

DESAFIA-ME

Não estou fazendo o que deveria estar fazendo. Na realidade, raramente faço o que deveria. É engraçado. Me agrada ser incômoda, confesso. Perfeitamente desajustada. O universo conspira. Esse impertinente, sempre a tramar trapaças, enredar destinos. Jogos, pura e simplesmente. Se o universo pensa que pode me impôr um destino, eu o desfafio. Não, mundo, eu não te pertenço. Não vou me render à adoração de um deus-sucesso. O patético sucesso terreno, para mim não significa muito mais que o fracasso. Estabilidade não é o nirvana. Objetivos são limitações. Equilíbrio? Tedioso! Dê-me o contraste, para que se possa definir claramente o que é luz e o que é escuridão. Já provei demais do cinzento, do morno, tomei aversão à penumbra. É essencialmente impossível para mim pisar com um pé em cada lado da divisa. Sou caleidoscópica, não homogênea. Extremista. Não há no escuro um só raio de sol ou de luar, não há no mal sequer uma gota de bem e ódio dissolve todo o amor. As noites são claras porque a lua reflete a luz do sol e eu quero ser a lua. E a Terra, insistindo que me torne terra. É tão fácil ser chão! Mas eu quero ter luar, também. Eu quero é iluminar o céu.
O universo conspira. Me desafie, universo.

EM SUMA

a Vida é um jogo.
a Dor é edificante.
a Beleza é efêmera
- não fundamental -,
essencial,
da essência.
a Tristeza é bela
a felicidade é cansativa,
não a Alegria.
nascer é eufemismo,
equilíbrio é uma antítese.
contradições contrastam
palavras retratam,
a Poesia cria.
a Verdade é perfeita
a Perfeição, divina.
a Mentira corrompe
a podridão se espalha
o câncer cresce.
alimento é vício
Pureza é idealismo
sobre o Amor não há muito o que se dizer.
e o Caos?
habita em mim.

(Uma descrição subjetiva e dramática do rompimento de um primeiro amor adolescente, aqui descrita como a mais sacra das fés)

Sejamos claros. Seguir em frente é exaustivo. Metaforicamente - porque as metáforas são essenciais, mesmo que imprecisas; a imprecisão é um direito meu, assim como essas palavras e essa história também são minhas. Metaforicamente, é uma trilha. Não uma estrada, mas uma trilha selvagem traçada por alguma fera - a fera instintiva do puro desespero. A divideremos em três etapas.

Certamente a primeira lhe pareceria a mais difícil, mas eu a comparo com uma simples queda. Não é necessário esforço algum para o cair desesperador, o terror de não mais sentir base alguma sob os pés. Eu me lembro de ter irrompido num choro copioso quase imediatamente; soluços frustrantes noite após noite, as tentativas frustradas de flutuar de volta até o topo firme da montanha. A queda-livre não exige esforço algum - o sofrimento, na verdade, é quase cômodo. A fé ilógica e incessante de rezar um rosário de lágrimas, o consolo da auto-piedade. Pareceu-me tão apavorante cair... até tocar o solo novamente.
Era uma descida íngreme, uma caminhada de pés descalços por um caminho torutuoso de rochas. É a fase do ódio, onde se caminha até a boca do Hades, como fez a bela Psique. Mas não por amor, o que outrora faria de bom grado e em paz, mas sim pela amargura que um coração torturado criara. Ele me empurrara ali! Por ele eu esfolava meus pés sangrentos e doloridos. Deus, eu o odiava. Não. Na verdade, não podia. Mas como queria! Frequentemente eu tropeçava e caía. A queda era mais misericordiosa. Mas eu precisava prosseguir, não podia voltar atrás. Até que encaramos face a face os portões infernais.
E pela Graça sois salvos. Toma a tua cruz e segue-me, diz o perdão. Um monte - o calvário, o sinai, o moriá, não sei. Sacrifício - das mágoas, do eu. Deve-se subir, e essa é a parte mais difícil. Perdão. Graça! Ainda as pedras, o cansaço de uma subida que parecia-me eterna. Sacrifício, a mais pura e verdadeira forma de libertação. Seguir o perdão. Perdoa-o, ele não sabe o que fez. Perdoa-te, te permite deixar para trás os rancores, aceita as cicatrizes.
O topo. Uma experiência indiscutivelmente divina, ver o sol morno a criar sua aura, secando as feridas.
E enfim, a cura. As memórias apagadas. Não, o triste fim daquele amor tempestuoso não tornou-se apenas uma superação. Foi salvação.

PERSONA

"Quem és tu?"
Além do que se pode ver no espelho,
mas através dele.
Quem é no Reino dos Espelhos?
Polido, quando nos veremos face a face
Pois vemos em parte
em parte sentimos
em parte compreendemos
em parte vivemos.

"Quem és tu?"
Só se pode enxergar
pelos buracos dos olhos,
pedacinhos da alma.
Sim, pedacinhos!
porque
saberias dizer
o que da tua Alma é teu,
o que é reflexo?

O espelho
reflete
a Máscara
reflete
o espelho.
Persona. 
"Quem és tu?"

LÁ VEM O SOL

"(...) - Você é o próprio sol para mim, Sunny. - Conrad abraçou a garota, empurrando sua nuca contra o próprio peito, os dedos gentilmente enterrados naquela explosão de cachos louro-arruivados. Ela chorava copiosamente, um rosário de lágrimas quentes escorrendo pela pele nua dele, seus os lábios eternamente febris roçando nela de uma maneira que seria deliciosa se não parecesse tão triste e desesperada. Aquela perfeita imagem da vivacidade e da alegria que era Sunny, agora irrompendo num pranto capaz de cortar o coração até mesmo do demônio em pessoa. Estava errado. A missão dele era consolá-la, fazê-la enxergar... ele tinha que conseguir - Você iluminou o céu escuro vazio de estrelas que me cobria. Não pode fazer mal. A culpa não foi sua. Culpe a natureza, quem quiser! Mas não seria capaz, não é mesmo, de culpar alguém. Você é boa. É a melhor pesso que eu conheço, Sun. Tudo isso foi há muito tempo. E você ainda se sacrificando dessa maneira! Você não é um raio de sol apenas. Sabe disso. Não, não chore assim. Não combina com você - ele beijou-lhe a testa ardente e ergueu-lhe o rosto pelo queixo - Já disse. Você é o próprio sol! Uma estrela inteira!
 Os olhos de Sunny, naturalmente, brilhavam úmidos e cor de esmeralda, enfraquecidos por aquele longo abraço. A boca estava quase branca. Ainda era noite, Conrad lembrou-se. Soltou-a e deixou que ela se recompusesse, o choro morrendo na garganta, até que respirou fundo, falhado. Deu um fraco sorriso. A voz soava estrangulada e demasiado humana:
- Há muito tempo deixei de ser sol. Era uma estrela morta, só isso. Não vinha sido boa, abandonara minhas esperanças de redimissão. Até aquela noite, aquele incêndio. A noite é tão bela, Conrie, querido. - ela fungou - Tão bela quanto o dia. Mas a luz da Lua não vem dela, Conrad. Vem do sol. - o sorriso abriu-se um pouco mais - Me contento em ser Lua. Você é o sol. Minha luz, ela vem de você. É você iluminando o céu, sempre foi. É uma pena, uma lástima, que sol e lua só se encontrem nesse eclipe esquisito. Não é natural que estejamos juntos, mas não me importo. Você me deixou obcecada pelo seu brilho. Você é bom para mim. Obrigada - ela secou as lágrimas com o pulso.
Mirou o céu, Conrad imitou-a. Era uma bela madrugada vista do piér. A noite se esvaía, ambos podiam sentir o Rei Sol se aproximando. O Pai Sol. A Mãe Terra. Nada daquilo parecia fazer sentido - seres místicos milenares ou mesmo a trivial humanidade orgânica. O sobrenatural e o natural. Para quê tudo isso, essa distinção? O Universo ainda era jovem e parecia perfeitamente certo que eles estivessem ali, pensou Conrad. Isso sim fazia sentido. Se ele a beijasse agora, enquanto o sol nascia, não haveria perigo algum.
O primeiro raio despontou ao leste, refulgindo no mar calmo. Sunny parecia animar-se, e o garoto não pode deixar de rir à essa visão. Se ela era a lua, era uma lua um tanto diurna. O sorriso que ela abriu ao sentir a chegada da manhã era o seu típico, que parecia emitir luz própria. Ele tocou sua bochecha que mal parecia feita de carne, talvez porque mal fosse feita de carne, e virou o rosto da garota para si.
Sim, os lábios quentes contra os seus mornos, pressionados, os dedos quentes em seu pescoço, a língua quente na sua. Sim, o pescoço também era quente, e os ombros, e a delicada concha da orelha. Essa era a Sunny dele, mergulhada naquela entrega, naquela redenção. Aquilo verdadeiramente os redimia. Poderiam ficar assim até o cair da próxima noite, Conrad tinha certeza disso, mas o fôlego, o  fôlego de Sunny... sua melhor amiga, sua Sun, sobrenatural, contraditoriamente fraca... e apaixonada, era o que parecia. Estaria ele também apaixonado? Com esse pensamento, desprendeu-se dos beijos e das carícias que eles bem queriam que durassem tanto mais. Estava claro e o céu estava anil. Não existiam tragédias e maravilhosas lendas sobre um povo imortal. Apenas Conrad, Sunny e a praia branca e banhada de sol da manhã.
- Está tudo bem - ele sussurrou.
E estava mesmo."

-
Lá Vem O Sol, quem sabe em andamento. Ou talvez não.

DIVAGAÇÃO PARA CAROLINA

Respirei fundo. Uma musica legal. Jesus loves you more than you would know, oh oh oh. Não me lembrava ninguém. Deitada na calçada dura de concreto, isso não importava. Também não me lembrava ninguém. Nada me lembrava nada. Sobre mim, sobre a rua, sobre a lagoa, sobre toda a Terra, um céu estrelado. Em nenhum outro lugar do mundo se podia ver um céu como aquele.
Seja você mesma, eles dizem.
Mas quem é essa? Às vezes sou eu. Outras, já não sou eu mesma. Depois eu volto a ser. O que pode ser um problema, porque entre tantas idas e vindas, alguém acaba ficando meio perdido. Quem? Às vezes sou eu. Outras...
Mas não, estou divagando. Deliciosamente, pela via-láctea - e não importa o quanto pareça piegas, não estou usando um sentido figurado. Eu posso vê-la bem daqui, milhares de pontinhos no céu escuro como se houvessem derramado leite em pó. Brilhante, é claro.
Eu mesma estive um pouco mais perto daqueles pontinhos há alguns dias atrás. Lá em cima, onde todos os problemas parecem distantes e pequenininhos e se pode brincar de anjo. A vida lá é fácil. Não existem amores, escola, família, planos e nem um futuro. Só eu e um punhado de sonhos imediatos e só meus.
Não se é feia no céu. Não, se eu fosse uma estrela, eu seria apenas uma estrela. Como você, Carolina. E se você fosse uma humana de novo, você seria como minha melhor amiga. E naturalmente nós brigariamos por coisas bobas como uma blusinha ou o secador. Mas eu te contaria os meus segredos. Eu te contaria sobre ele, Carolina. 
A música não me faz lembrar nada. Mas as estrelas me lembram você.
Eu sempre acabo lembrando de você.
Lembranças puramente falsas. Não há nada sobre o que me lembrar. Você é quase imaginária, irmãzinha. Eu te mentalizei no meu coração, se isso é possível. Só porque é imaginária, não quer dizer que não seja real. Mas toda esse falatório não passa de uma tremenda divagação, não é mesmo? É sobre você, tudo sobre você. Você é uma divagação. E não é preciso que essas palavras soem bonitas, nem é preciso que ninguém mais me entenda, porque estou escrevendo pra você e você não está lendo. Espero que você possa me ouvir, mas sei que não pode - não ainda. Mas sempre posso fingir que aquela estrela está me ouvindo, como sempre fiz. E então minha mente criará a sua resposta. Assim conversaremos, quando eu sentir essa saudade do que eu nunca tive. Até o dia em que eu puder te abraçar de novo.
Palavras em vão.
Uma carta ilegível.
Eu te amo e sinto a sua falta. Falta de ter te tido.

EU APENAS RIO

Aquela caixona no alto do armário era um verdadeiro baú de relíquias. Fotos banguelas, de beijos, praias, disputas de natação, apresentações de ballet, meu primeiro cachorro, minha primeira viagem, uns cartões de aniversário, meus pais quando eles ainda estavam juntos e se beijavam, uns bilhetinhos apaixonados de um para o outro. 
E uma carta. Minha. Que eu nunca enviara.
Desdobrei a folha de caderno, senti a textura da pressão da caneta no papel gasto. Era a minha letra meio engarranchada, um canto no alto datava uns dois anos atrás. Eu tremia. Impressão minha ou aquela mancha vermelha cheirando à ferrugem era sangue? Não era impressão - como se eu não me conhecesse.
"Enquanto eu lia as frases eu soube que quando eu as escrevera,
cada uma delas tinha doído em mim"
Corri meu olhar pelas palavras rapidamente, conhecendo-as bem. Algo sobre feridas incuráveis, um coração ausente,  um príncipe, uma camponesa, promessas quebradas, minha promessa permaneceria. Algo sobre o para sempre, também, que era o tempo pelo qual aquelas palavras teriam validade.  Enquanto eu lia as frases eu soube que quando eu as escrevera, cada uma delas tinha doído em mim. Soube que aquilo fora escrito às custas de sangue, suor e lágrimas; e uma quantidade considerável de tinta preta. Que quando eu as havia escrevido, eu me imaginara lendo-as - como eu fazia agora - e a dor não teria passado. E, por alguma razão, tudo o que consegui pensar foi...
Quanta bobagem.
Ri. E todo aquele sentimentalismo barato, o sofrimento gratuito, o drama adolescente, as juras - até a mancha dos meus punhos cortados - tudo tornava-se cada vez mais ridículo aos meus olhos. Era engraçado. E eu ri, e eu ri, e ri. Achei graça por ter acreditado em tantas mentiras. Por ter criado expectativas. E, principalmente, por ter me levado tão à sério.
Me levantei, ainda segurando a carta. Me mirei no espelho comprido na parede amarela. A parede era melancolicamente lilás quando a carta fora escrita. Agora meus cachos haviam desaparecido, até meu corpo havia mudado. No lugar dos cortes do antebraço, finas cicatrizes esbranquiçadas - aquelas, que nunca se cicatrizariam. No lugar do olhar vazio, um brilho desconfiado, ares de "não ligo" e um sorriso torto e aberto de quem tinha consciência de sua insignificância e achava graça disso. Um sorriso que dizia: eu sou jovem e ainda me resta muito sangue, muito suor, muitas lágrimas e quantas canetas meu dinheiro puder comprar.  Então acertemos sem medo de errar, mantendo a fé e sem superestimar a dor.
A gente tem que esperar pela felicidade até enquanto se está triste.