14.6.11

Maria era só Maria - não Maria Clara, Maria Luísa ou Ana Maria. Maria, Maria é um dom, já dizia a maldita canção, e era preciso ter força, garra e gana sempre. Ela odiava aquela obrigação chata de estar sempre ótima, sorridente, ensolarada e satisfeita; quando caía, tinha que levantar logo, sem permissão para choramingar um pouquinho, tinha que estar de prontidão para lutar pela causa, ser um misto de Virgem Maria com uma Maria Madalena em seus tempos de prostituta. Tinha de querer sair, tomar um porre, acender um beck, debater política, assistir um filme e agitar um som. Sangrava e escondia. Queria chorar e não deixavam - insistiam naquela cobrança maçante de seus beijos ardentes e abraços calorosos. Porque era Maria.
Tristeza, profunda tristeza - se ela fosse Maria Tereza!... seria uma rima, não uma solução; ela tentava uma alusão a Drummond, mas não adiantava nada. Ria, mesmo com a alma despedaçada, e não podia ficar desmotivada, pessimista ou ter qualquer forma de preconceitos. Que o coração batesse como um atabaque de alegria instantânea e espontaneidade. Exigiam dela uma felicidade que consumia e cansava; sugeriram até lobotomia em caso de menor depressão, já que ela não tinha o direito de ficar um pouquinho melancólica. Que amputasse os pedaços doloridos do coração, se entupisse de remédios! Se surgissem lágrimas, só de emoção. Ficar triste, não podia, Exigiam dela uma felicidade que consumia, cansava, um otimismo estúpido, que cantasse alto, que se enturmasse com todos no bar. Maria tinha daqueles feelings que levam os mais boêmios a compôr blues, mas ninguém se importava. Tinha de ser, ao mesmo tempo, menina e mulher, louca e lúcida: viver - noite e dia, manhã e tarde, outono e primavera. 
Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que rí
Quando deve chorar
E não vive, apenas agüenta
Ê, maldita canção e maldito Milton Nascimento.
Maria perdeu a força, perdeu a garra, perdeu a gana de sempre. Não viveu e nem aguentou.

10.6.11

DIA DE TODOS OS SANTOS

Os mesmos passos cegos me guiaram, inconscientes, para o mesmo lugar, onde subi os degraus como se fossem uma espécie de calvário. As besteiras que eu fiz seriam alguma espécie de cruz? Uma cruz muito leve. Me ajoelhei em um daqueles bancos de madeira, em meio a alguns poucos fiéis que rezavam o terço. Eu não tinha um terço e nem nunca tivera, o que não era nenhum problema, já que eu desfiava meu próprio rosário de lágrimas. "Sobem aos céus os sussurros dos céticos a um Deus surdo", pensei, assim mesmo, e eu podia ouvir todos os sssss dentro do meu próprio pensamento, e tocava um blues, jazz, eu não podia saber porque havia acabado de inventar a melodia da minha mente. A letra da canção, eu não lembro. Aí então tentei sintonizar meu próprio canal de oração. Deus, deus! Eu sou uma puta mesmo. E eu poderia falar assim com uma divindade? Que fosse! Se houvesse mesmo um Onisciente que conhecesse todo o meu coração, eu devia pelo menos poder ser sincera. Gemidos, os vidros embaçados do carro, o espelho embaçado do banheiro com alguma música clichê rabiscada. Ah, Deus, eu venho sido má e não peço perdão. Não peço perdão porque, deus!, o senhor conhece o desejo o tesão a paixão pelo podre que há dentro de mim. Arranhões, a língua nos dentes - literal e metafóricamente. O meu amor mordo, extinguido, renascido das cinzas, ferido, meu orgulho e meu rosário de lágrimas, não nos esqueçamos dele, fazendo as preces: Pai nosso que estás nos Céus, desce pra terra me dar a mão, dar a mão a todos os proscritos e afasta de mim esse cálice. Eu queria sair dali e acender um cigarro. Acender uma paixão vulgar que não durasse meio maço. Queria acender uma faísca de esperança e tocar fogo em todos os diários já escritos por pré-adolescentes que pensavam ter o coração partido. Queria era fugir imediatamente daquela igreja pra poder pecar de novo logo. Deus meu, por que me abandonaste? POR QUE? Eu o amava, de todo o coração, e morreria de amor se pudesse. 
Ergui meus olhos e odiei aquela imagem de um Cristo Rei de traços gregos, olhos nórdicos gelados e uma expressão dura e arrogante. Preferia o que agonizava na cruz: amor, eu sentia amor. Todos aqueles santos de pedra me observavam, tão inventados pelos humanos, penso eu, como aquele blues inventado por mim. Mas isso queria dizer que minha canção não existia? Tanto fazia. Deus, Nossa Senhora, São Francisco, Alá, Buda... pra quê tanta guerra, meus deuses? Por que não morrer de amor?