31.5.11


"Acredite ou não, é preciso muito amor pra te odiar desta forma."


Nós dois temos sérios problemas. Sempre tivemos, sempre teremos. Sinceramente? Te acho chato. Exibido. Imaturo. Insensato. Sem falar no idiota. Quero te controlar, te moldar na minha fôrma, te prender nos meus braços e que você use sempre a personalidade que eu mais gosto: a do cara carinhoso, dedicado, meio safado (meio?), brincalhão; que me conta sobre os seus trezentos mil casos de todas as trezentas mil garotas que conheceram o seu corpo muito bem, mas só a mim você permite conhecer as dores do seu coração imbecil - porque todo coração é meio imbecil, não é? A sua personalidade pela qual eu me apaixonei mil vezes, não aquela por quem todas as outras se apaixonam.
Mas a verdade é: eu o detesto. Detesto tão intensamente, integralmente, a sua vaidade, sua risada estúpida, seu hábitos degradantes, seu comportamento infantil e irresponsável. Te odeio pelos corações de menininhas inocentes que você espatifou por pura incompetência, e te odeio por ter - não espatifado meu coração, é verdade, mas me machucado muito e me ferido a fundo. Te odeio porque mudou tanto, te odeio por tentar fingir para mim.
Te odeio por ter sido tão meu - isso mesmo, tão intimamente meu! - por tempo o suficiente para que eu me deixasse cativar pelos seus melhores abraços, seus sorrisos mais bonitos e pelas suas palavras (quem diria!) mais doces. E depois me abandonar assim. Me deixou assim, me libertou, sei lá, tanto faz agora. Eu sinto falta. Uma falta desesperadora de ter seus dedos entrelaçados nos meus numa pureza extrema; e é claro, falta das suas mãos discretamente me tocando numa malícia extrema, falta de dar risada disso, revirar os olhos, dizer "pare.", assim mesmo, com um ponto no final da palavra, mas não tomar nenhuma atitude para te impedir. E essas palavras estão saindo meio avulsas, aleatórias, confusas, desanexas.  Mas pouco me importa. Preciso dessa ode ao meu ódio. Sim, essas linhas são uma confissão saudosa, uma declaração do meu ódio por você. Meu ódio por cada corda que você arranhou do violão em uma música que eu adorava, pelas lágrimas que você arrancou de mim, pela flor que eu te dei e você destruiu. Meu ódio pelos seus braços ao redor da minha cintura, me apertando forte, pelas minhas lágrimas quentes rolando pelo seu pescoço, peito, molhando o seu rosto e o seu cabelo, meu ódio por te ter deixado me ver naquele estado, chorando daquele jeito.
Talvez eu simplesmente te odeie pelo tamanho do buraco que você deixou em mim quando me soltou daquele abraço. Volta? Quero te fazer chorar com minhas cartas e ser dura te aconselhando. Quero esse seu amor puro, impuro, esse aí que a gente chama de amizade. Quero aquela nossa pseudo fraternidade suja. Quero. Deus, eu o odeio!

29.5.11

COM AMOR É MAIS CARO

Simples assim. Como uma vítima de abuso, uma prostituta voluntária (de mau-grado), tanto fazia. Augusta somente recebia as ordens e as obedecia passivamente. Se permitia ser tocada em cada zona proibida do seu corpo; a sensação era boa, pelo menos. Augusta ofegava, gritava, gemia, reagia a cada carícia e a cada violência com uma exaustão satisfatória. E ria,  sussurrava, se contorcia, mordia forte os lábios, sendo agradável aos sentidos mais perversos. Claro que protegia, porém, as partes mais íntimas: que nunca se aproximassem do seu coração, pelo amor de Deus; que ela tinha uma pele forte, uma carne firme, mas seu coração não. A casca endurecida dele era finíssima, como uma folha de papel, e resistente apenas na aparência. Augusta sangrava facilmente. Augusta tinha uma alma em frangalhos e uma mente corrompida. Que a tocassem, então; que a usassem como costumavam fazer. Ela gostava. Não que esse gostar queira dizer que não doía, que ela não chorava. Doía. Augusta chorava.
Era a obrigação dela se divertir. Era a escrava da alegria e do bom-ânimo, que sorria para os garotos e garotas bonitas nos corredores escuros e os induzia a lhe pagar uma ou duas doses, acender seu cigarro. Augusta se recostava à parede, umedecia os lábios entre uma tragada e outra; ou sentava-se ao chão, a garrafa de cerveja entre as pernas de índio. Nunca era a mais bonita da festa, disso ela sabia, mas ela estava ali. Podia iludir-se com a sensação de ser boa, de ser desejada por alguns segundos, mesmo que em segundo plano. Fechava os olhos enquanto beijava um imbecil ou outro e fingia que aquele era um rapaz adorável, que ela o queria, que ele a adorava, que eles sairiam dali com as mãos dadas e talvez ele até enviasse uma mensagem na manhã seguinte. Augusta era uma sonhadora boba, dolorida e substituta. 
Se deixava levar para algum canto mais escuro, era consumida pelas sombras, por um desejo efêmero, um prazer imediato, sabendo que diriam horrores sobre ela. Mas Augusta também pensava horrores sobre ela mesma, e era isso que ninguém sabia. E era isso que doía tanto. 
Mas tudo bem, ela era uma menina (uma menina, não uma mulher, mesmo que ninguém percebesse) bem prevenida. Levava sempre na bolsa: um maço de cigarros, o bilhete do ônibus, camisinha, algum dinheiro, as chaves e uma máscara de falso amor-próprio.

28.5.11

LONGO E SEM PAUSA

Sei que vão me perguntar, quando nos virem caminhando na calçada lado-a-lado com as mãos soltas e os dedos desentrelaçados, se não sinto em você estar tão perto e ainda assim eu o tenha perdido. Vão perguntar porque eu sei que pensam que ostento três cubinhos de gelo mais um enorme oco do lado esquerdo do peito. Se enganam. Tenho um coração, sim, e mesmo que esteja um tanto anestesiado e em cacos pelas quedas, ainda não tornei-me completamente insensível - mais um pedacinho dele se quebrou daquela vez em que tive que ir sem sequer te dar um beijo que fosse. Acho que eu soube que não teria outra chance além daquela, desperdiçada por um atraso mínimo.
Pois bem: eu sinto. Sinto quase fisicamente até, como se a alma fosse um corpo à parte e fosse feita de carne e osso, pele e músculo e sangue e água. Mas não chega a ser uma dor. Não, sinto como um toque, um pouco mais pesado que uma carícia e muito menos bem intencionado. É claro que sinto uma vontade louca (porém perfeitamente controlada em pró de um bem maior) de nós dois. É claro que amo você. Claro que te quero bem. Mas esses, sim, são sentimentos bem-intencionados, puros, recatados; e se sou capaz de sentir algo puro é porque você me mudou muito. Talvez (só talvez) o pedaço do meu coração que você partiu tenha sido a parte podre dele. Talvez e só talvez: você me tenha feito boa. Gosto de você. Muito. De verdade. Não esquece.

25.5.11

EPITÁFIO

Morrerei, pensou Ritinha, Maria Rita ou Ritalina (porque devia ser meio louca, era o que diziam). Decerto que morrerei, e que legado vou deixar pras gerações posteriores se nem geração eu tenho, meu Deus? Sou só parte de uma parte da humanidade, pedacinho sem feitos, que não pegou em armas, que não levantou novas políticas, novas ideologias, que não derrubou a divisa entre as religiões, que não estourou nenhuma revolução. Mas eu tenho fé, essa fé até meio imbecil, pensava Rita, fé de que o mundo só vai melhorando pelo caminho. A escravidão (pelo menos legalmente, mas palavras no papel já não querem dizer algo?) já foi abolida, se acabaram os feudos e os barracos nas favelas têm TV e geladeiras. Já não se encontram cadáveres de mortos de fome nos bulevares da França, a maioria das pessoas já vê a guerra como algo fora de moda... Ah, sim, Maria Rita era dona de um otimismo um tanto estúpido, mas com um quê de verdadeiro. 
E os Beatles, Deus! Os Beatles nunca saíram de moda e estão mais fortes do que nunca: all you need is love, love is all you need. Porque a verdadeira revolução se faz com Amor, não faz? Amor, assim mesmo, com inicial maíuscula, como Deus com letra maiúscula, porque Amor era um deus, não era? E ela era Rita, a adorável Rita (da canção), a louca Ritalina que um dia morreria - pois todos nós não vamos morrer? pensava - enquanto o Amor revolucionaria o mundo, como veio fazendo desde o começo dos tempos. Antes mesmo que surgisse o primeiro ser humano, já começava a Revolução. E morreria Rita, a adorável, a santa, a louca, de carne e osso e alma e coração e fé e otimismo bobo. Morreria, e deixaria como legado para gerações posteriores nada mais, nada menos que uma ossada em decomposição e uma lápide de mármore com o seguinte epitáfio:
"Maria Rita, Ritinha ou Ritalina (porque devia ser meio louca, era o que diziam) nasceu, cresceu, viveu e morreu de amores."

24.5.11

SAGRADO CORAÇÃO

Entro na capelinha, uma miniatura de templo sagrado, e me pergunto o que pode haver de sagrado em um teto assimétrico que devia ser o reflexo de um Deus perfeito, onipotente, onisciente, onipresente, oni-qualquer-coisa. Me sinto um pouco hipócrita, também, invadindo a capela daquele jeito quando minhas preces - o choro do meu coração! - poderiam ser ouvidas pela divindade que eu procurava de qualquer lugar onde eu estivesse. Deus! deus, majestade, alteza, senhor, deseja que eu me ajoelhe? Pois é o que me parece conveniente, então me prostro em frente à Cruz da Paixão (graças a tua misericórdia há aqui essa almofada macia para que eu não machuque os meus joelhos, vermelha e de veludo como o tapete pelo qual eu caminhei até aqui). Venho nessa súplica, rezar - implorar! pela indulgência, pela piedade ou pelo menos a condescência de uma força piedosa e divina. 
Mas não me parece certo que seja assim. Não sei nem mesmo como me referir a ti... pois bem, que venha em minha intercessão o São... o São... haverá um santo dos corações partidos, Senhor? Se houver, há de ser uma santa; preciso de uma santa que entenda a minha dor. Já ouvi falar de um coração sagrado (que mania de coisas sacras!), será que ele poderia colar os pedacinhos do meu? Mas estou divagando em minhas orações, perdão. Estou tentando rezar (rezar!!!) para santos nos quais eu nem mesmo acredito, mártires que estão há anos e anos da minha existência e que com certeza tiveram preocupações mais revolucionárias e menos fúteis do que uma dor de cotovelo mal-resolvida.  Perdão.
E com que religiosidade que perdi há muito tempo faço esse tipo de coisa? Com que direito, meu Deus? Meu deus? Deuses, santos, demônios, fantasmas, espíritos, criaturas - perdoem-me por invocá-los em vão, tão levianamente. Vão embora e me deixem aqui, de joelhos, a mercê dos meus próprios sentimentos feridos e tratar deles como o faria um cãozinho selvagem e machucada: lambendo o sangue, limpando os cortes, deixando arder até que cicatrizem, sem deixar ninguém mais tocar. Talvez eu seja só mais um animal sem religião, pois sim. Mas São Francisco de Assis (lá vem eu com esses santos, de novo!) não deixaria um cão sem dono se esconder sob o teto de um santuário?

(NÃO) SEM MEDO E SEM AMOR

Venha cá. Vou manter meu controle, coisa que você não sabe (nem eu, na verdade, mas farei esse esforço). Venha cá, pode vir. Meu coração é teu, sinta-o, pode beijá-lo; pele carne músculo tudo estremece ao seu toque que eu tanto anseio. Mas eu respiro fundo, mantenho pulsos atados para que minhas mãos não alcancem além de acariciar teus cabelos, não alcancem o seu desejo e lhe arranquem, eu lhe sugue a alma como tanto pede o meu instinto. Ouve meu coração. Você sabe que ele bate. Com força, com rítmo - às vezes sem -, tamboreia como um atabaque e todo o meu corpo é um terreiro de umbanda, e nele se manifestam os epíritos perversos pervertidos, que seja! que toda a cristandade define demônios. Mas não exorcise agora os meus impulsos animais, não, deixa que eles fiquem, me corrompam me perturbem me enlouqueçam - assim. - com esse teu toque too close for comfort (porque em todas as trezentas e oitenta mil palavras de uma língua linda e vasta não há expressão que defina essa proximidade).
É verdade, você sabe como respirar junto ao meu pescoço, roçar o nariz na minha orelha, tão ingenuamente (há!) quanto você quer que eu pense que você está sendo, e de repente você se afasta. How could you leave me now e vamos fingir que estamos num musical, I did it my way, você canta pra mim, mas canta bem pertinho, vem, que quero ser mártir. Vamos fingir que é um filme e que nosso amor - que amor?! - é proibido. Porque te quero, sinto saudade vontade... piedade!, eu lhe imploro, piedade e me queira de volta.
Ah, mas isso foi há tanto tempo! Eu era uma criança e você queria ser um homem mau, os dedos firmes arranhado as cordas de um violão que era meio meu, os dedos firmes acariciando a minha pele e eu virando o rosto porque ninguém pode ceder. Um homem mau que me fazia cantar aquela canção que eu tanto adorava, e eu me doía, e você me dizia: aprendi por você. Mas você era um menino.
Sempre vai ser.

(não precisa fazer sentido para ninguém além de mim)

- Foi alguma coisa que eu fiz?
- Não.
- Então foi algo que eu não fiz, mas deveria ter feito.
(Silêncio)

Você esperava que eu te estendesse o meu próprio manual de instruções como qualquer aparelho eletrônico moderno. Mas não sejamos tão frios. Você me implorava que eu te dissesse o que fazer. Eu poderia facilmente ter te feito escravo dos meus caprichos, proibido suas amizades que me desagradassem, podia ter te aprisionado, te ter feito assinar um contrato qualquer e talvez ainda hoje estivéssemos juntos, você e eu, indo a praia aos finais de semana, dividindo um apartamento de dois cômodos e realizando cada uma de nossas fantasias perversas de adolescentes precoces, imaturos e imprudentes.

- Não, não chore.
(Soluços)
- Não chore porque eu sou teu, e você será para sempre minha, a minha princesa, o meu amor, está bem assim?
...
Está. ???

Veja bem, não que eu não quisesse te pertencer. Queria que me possuísse, carne, alma, mente... e em teus braços, padeceria. Sim, padeceria, como as aves silvestres que tentamos domesticar e fenecem sufocadas em nossas mãos, assim era meu coração. Meu coração, partido em cacos - cacos todos meus, minha posse, que eu te emprestaria de bom-grado, mas cobraria de volta com os juros exigidos.

- Você o ama.
- Não! Amo você, está bem? Você, meu amor, você. Fica comigo.
- Você logo vai amá-lo.

Vou. Amei-o logo, e esqueci-me de ti, assim como te esqueceste de mim. Adeus, pois então, meu príncipe encantado. A não mais tua princesa está bem assim, não te ama mais, não mais te deseja, te admira ou te acha tão belo e encantado assim. Mas ainda pensa tanto em você.

23.5.11

DEVANEIOS AVULSOS DE UMA JOVEM SEM GERAÇÃO

Eu chorava. Minha vida era perfeitamente razoável, para não dizer muito boa, mas chorava. Chorava por mendigos de dedos dos pés enregelados pelo frio que dormiam em calçadas duras, pelos filhotinhos sarnentos que seriam sacrificados no canil, mães mortas ao dar a luz, bebês órfãos sem seios fartos que os amamentasse. Eu pranteava a Segunda Guerra: lamentava pelos corpos das crianças judias e até mesmo pelas crianças alemãs que foram tão mal ensinadas. Me sentia triste pela morte das princesas em revoluções, assim como me sentia triste pelo povo injustiçado. Chorava. Chorava pelas bruxas queimadas na fogueira, chorava também por um Cristo cruxificado, por pagãos perseguidos, pela destruição da civilização dos Incas, dos Maias, dos Astecas, chorava pelos índios guaranis que tiveram sua ingenuidade tão facilmente corrompida por Europeus. Sentia misericódia do diabo a ser condenado ao inferno e meu coração se desfazia ao pensar em santos católicos nos quais eu nem mesmo acreditava. Talvez eu fosse louca.
Comprava meu café expresso, forte, sem açúcar, fervendo num copo plástico descartável, abria um livro grosso de romance e lia sentada num banco de meia-lua sob o sol. E chorava por dentro. Eu queria um mundo cheio de livros, de céu azul cheio de nuvens brancas alaranjadas, sol, neblina, ruas de paralelepípedos amarelos, lírios e tulipas pelos cantos e ar com cheiro de pão quentinho. Que todo mundo fosse Maria, José, João, Ana, Sofia, Luíza, Flora, Rosa - sem nomes compostos, sem sobrenomes, sem posses, sem guerras, sem mortes trágicas. Queria ser amada e queria que todos fossem amados, também. Queria ter cinco anos de novo, e descer a pracinha do Rudge sentada num skate, roubar margaridas da portaria do condomínio e brincar no parquinho com crianças pobres de rua. Queria trazer para casa todos os animaizinhos abandonados, que os gatos e cães mais mansos dormissem na minha cama. Queria passar as manhãs de inverno assistindo desenhos e comendo nozes na cama de meus pais. Queria que meu pai penteasse meus cachos, que mamãe me fizesse tranças, queria alimentar minhas bonecas e correr atrás de borboletas que eu acreditava (e ainda acredito) serem fadas.
Mas acima de tudo, queria chorar.

10.5.11

UMA BOBAGEM OU OUTRA

Agora, o amor vem naquelas caixinhas de rapé, tão puro quanto a cocaína brasileira, daquelas que os riquinhos compram da mão dos malandros, na saída do fundo da escola. A justiça já não é cega – um pouco míope, talvez –, mas se disfarça com óculos de sol da Prada, pra poder furar a fila do banco. Quase todo mundo ficou meio bobo e cansado de levantar toda manhã pra ver as mesmas coisas, as mesmas pessoas, os mesmos lixos jogados no chão que ninguém se abaixa pra recolher. Os grandes revolucionários, em compensação, agora lutam por um bem maior: o bem deles. As pessoas andam se decepcionando; eu vivo me decepcionando! E não me ensinaram, não ensinaram ninguém a lidar muito bem com isso. Todo mundo buscando o infinito imediato, o sucesso instantâneo, a grandeza inata. Vejam bem: nada disso existe. Eu também, bem que queria, mas é preciso escalar algumas montanhas e forçar muitos sorrisos no caminho.
Os dias de hoje não são fáceis, justamente por tudo ser fácil demais. Porque hoje existe uma versão transgênica à venda de tudo, inclusive de carinho. Pois bem, eu quero afeto grátis, orgânico, cultivado em casa: desajeitadamente, sem seguir as instruções no verso da caixinha. Eu quero risos genuínos, leves, gostosos. Quero um choro pesado que derrame, em lágrimas e soluços – todo o pesar em excesso do coração. É preciso viver! É preciso ser dessa raça em extinção: a raça humana, feita de carne e alma.
Já se esqueceram do que é correr descalço na areia da beira-mar, falar alto demais, trocar cartinhas, ouvir as histórias do tio-avô enquanto ele acende o cachimbo, deitar na varanda pra olhar as estrelas debaixo do cobertor. Já eu, não me esqueço de chamar o vovô pra preparar o chimarrão, contar mentirinhas que eu finjo acreditar. Não me esqueço de andar a pé, devagarzinho, até um boteco onde toca MPB ao vivo. Não me esqueço de pedir pra tocar essa ou aquela música do Raul. Porque é isso que a vida é, não é mesmo? Cheia de bobagens que fazem a gente sorrir.

3.5.11

UMA PEQUENA NOTA PARA CATARINA

Minha pequena Catarina... perdão. Só: pequena Catarina, venha cá. Me deixa passar os braços em volta da sua cintura, apertar meu peito no teu, te olhar com inocência de novo. Eu queria mesmo era te dar aquele beijo que eu fiquei devendo - aquele, lábios nos lábios, pele na pele, línguas impedindo as palavras ruins de escaparem, e tudo o mais -, mas eu sinto que ainda é cedo para lhe pagar essa dívida.
Minha doce; perdão novamente. Doce, linda Catarina, não me importam agora os teus pensamentos sujos, seu toque perverso, seus gemidos abafados na quietude da madrugada. Não me importam porque, pequena Catarina, exatamente porque és pequena. É só uma menina, e veja bem, amor, eu não quero machucar a única inocência que lhe resta, que é a de um coração inteiro, virgem, imaculado. Porque dez vezes mais do que profanar até mesmo um corpo, deflorar um coração, isso sim é um pecado irremediável. O que eu não faria para mantê-lo intacto? Menina, minha (e mais uma vez, com todo o perdão dessa palavra) menina; veja bem: não quero obrigar-te a trancar seus sentimentos do modo como fui obrigada. Mas você precisa saber, e terei mesmo que ser eu a te mostrar? Mostrar que amar dói, querida, amar dói.

1.5.11

PODE ESPERAR, NÉ?

Hoje bateu saudade. Daquelas, de marejar os olhos da gente de lágrimas. Eu passei lá onde você me viu chorar, me abraçou e a gente falou dos nossos medos. Passei bem do lado daquela ruazinha onde a gente andou de mãos dadas. É estranho, essa coisa de andar de mãos dadas. Meio íntimo demais pra uma pessoa como eu. Aquele nome em uma placa. Difícil pra mim, não ficar lembrando. Lembro de quando você perguntou se a gente tava junto, e eu nem soube responder. Pelo menos, agora eu sei a resposta...
E eu fico imaginando: será que quando você fica muito machucado, você pensa que eu nunca te deixaria assim? Fico imaginando se você ainda pensa em mim, às vezes; pensando se aquelas coisas que você me disse ainda valem alguma coisa. Pensando se você ainda sente o mesmo – pensando se eu ainda sinto o mesmo, pensando se foi tudo de verdade ou só confundimos as coisas. Saudade. Do gosto de cerveja, do gosto de cigarro, do gosto de você. Gosto de sabor ou gosto de gostar? Vai saber...
Queria que você aparecesse aqui em casa, não tocasse a campainha; só me ligasse e dissesse: “ei, vai na varanda e dá uma olhada na sua calçada!” Queria descer os degraus da escada de dois em dois (como eu confesso que eu fazia sempre que você chegava) e te abraçar na frente do portão. Os vizinhos olhariam pra nós e pensariam “ai, o coração dessa menina não se aquieta” – e não se aquieta, mesmo. Hoje deu vontade de te dar um abraço, te fazer sorrir o sorriso que você detesta, e não precisa de beijo, não (mas se você quisesse, tudo bem, e nem precisava pedir desculpas). Eu me contentaria só em te ver.
Hoje eu queria que você ligasse. Número desconhecido, só pra eu não saber quem era e ter coragem de atender, porque hoje eu não me arrisco a ouvir a voz de ninguém que já tenha machucado meu coração. Amor, eu to confusa. Quase tão confusa como te chamar assim. Eu nem sei mais o que eu quero, se eu te quero, como eu quero. Eu sei do que eu preciso: ficar um pouco sozinha; preciso de um tempo pra mim: um tempo sem expectativas, sem mãos dadas, sem chorar, sem suspiros antes de dormir. Preciso é de uma cerveja, fumar daquele Marlboro vermelho (mas eu mesma compro o meu maço, obrigada), rabiscar a parte branca dos cigarros, pensar como os filtros deles deveriam ser menores. Preciso assistir meu filme favorito, dizendo em voz alta e simultaneamente todas as falas que eu já decorei e tomando sorvete de napolitano direto do pote. Preciso dormir abraçada com meu ursinho de pelúcia sem imaginar que ele é alguém.
E daqui a uns 18 anos, eu espero a sua ligação. Pode esperar, né?