23.10.12

(Never) love a wild thing

A chuva escorre pelos meus cabelos e maçãs como lágrimas de água doce. Meu coração troveja em soluços trêmulos. A burguesia capitalizou o amor. Estaremos fadados, caso queiramos ser livres, a ser completamente sós? Meus sapatos esmagam pequenas flores amarelas.
Meu bem, minha fé sussurra que essa calmaria não é paz. Essa união é ilusória, onde cativar se confundiu com cativeiro. Transformamos sentimento em contrato, racionalizamos o instinto. Não me obrigues a abafar meu grito, que eu só quero despencar. Pulsão de morte, meu querido, o meu princípio do prazer. E a minha deliciosa dor amiga, permita-me, por favor, não a açoite, não abafe. Meu corpo, flamejando, arranhado, punido e cansado, logo nem minha alma me pertence mais. Se a Igreja está errada, logo cada Espírito é um. Então por que não (me) aceitar?
Eu, que sempre detestei coleiras, gaiolas, jaulas ou aquários, moralismos e correntes, cegueiras e limites.
Assim.
Não é fácil amar um animal selvagem, dizem, pois estes mordem, se atiçam, fogem, voltam e se arrastam até fora da vista para morrer... e perdem toda a essência quando domesticados.

Mas (re)considere: existe sentimento mais real do que o bruto?

17.10.12

Sangue, suor e lágrimas


“Ta vendo? Não dói.” Cecília sussurrava para Cecília. Mas não era ela.
E isso realmente importava? A resposta era não.
Eram como lágrimas vermelhas que escorriam pelo ralo do banheiro. Não doía. Era um tratamento, aquilo sim, muito melhor do que as pílulas, e as gotas de placebo que obrigavam-na a engolir com todas aquelas palavras brutas, com toda aquela (ir)realidade. E a menina ia engolindo mais. E a angústia anestesiava e as veias latejavam e seus soluços faziam com que cada milímetro de seu corpo estremecesse de prazer. Sim, prazer. Não havia remédio que não causasse doença e não havia doença que não chegasse ao fim.
Que analogia bonita era o fim! E que sentimento belo era a dor quando sentida daquela maneira. Lutar pela lucidez ia a exaurindo e Cecília (mas não era ela) sussurrava em sua própria mente: vai, menina, desse jeito tudo vira poesia. Essa história não a tornava mais humana? Pois era isso que a humanidade toda sempre faz: dar murro em ponta de faca.
A cabeça enfiada embaixo do chuveiro, de olhos fechados, a pulsão de vida insiste em ofegar: “o pulso ainda pulsa, o corpo ainda é pouco”. Desejava escapar do corpo, queria fugir do mundo, que as lágrimas escorressem por todos os poros feito suor. Só acabava por doer realmente quando se debatia, como quem num redemoinho de rio gasta as energias para alcançar a superfície.
Precisava dormir.  
E quando a salvassem... ah, se a salvassem!
Como iria arder na manhã seguinte.

8.10.12

Tudo é pra sempre.

O amor que acabou,
a fumaça dissipada,
a irmã que se foi.
O cigarro que virou cinza.
As palavras ditas e
o corte que virou cicatriz.
O bebê que cresceu
- e depois ficou velho -
seus sapatinhos doados, 
e as noites de sono perdidas dos pais.
Também a criança que não nasceu
com suas lágrimas que nunca foram derramadas
a risada que não ecoou pela sala
e a parede do corredor que permaneceu livre dos riscos de giz-de-cera.
O morango devorado e
a caneca estilhaçada.
O casamento que não deu tão certo
O morto de sete e o de trezentos anos
E o vivo de oitenta -
tudo é pra sempre!