Acordou e
optou por não olhar as horas. Medo de se sentir culpada, ou por dormir demais,
ou por dormir muito pouco. Na cama, acendeu um cigarro, apanhou o café que
restava da madrugada passada e despejou no estômago. Frio, amargo. Como o vento
lá fora. O clima ardente fazia com que as cicatrizes pulsassem. Tudo ardia e
Johanna apertou os olhos com força. Era domingo, mas pouca ou nenhuma diferença
isso fazia. Já há dias que ela mal deixava o quarto, ia até a cozinha, comia
uma maçã e voltava para debaixo das cobertas. Às vezes enfrentava a rua pra
comprar um maço novo, forçava um sorriso para o padeiro. Bom dia. Eram cinco e
meia da tarde, mas bom dia. As cicatrizes mais recentes iam se tornando
cor-de-rosa-claro e ela mal suportava olhá-las. Ela já sabia que isso
aconteceria desde o final do último verão. A nuvem negra que se formava em suas
veias vinha crescendo, mas não existiam muitas responsabilidades naqueles tempos,
nunca existiram, então devia ser coisa pouca.
Se lhe batiam
à porta, fingia dormir. Os que vinham visitar não estavam realmente
preocupados; era apenas curiosidade. Vinham saber qual o motivo de tudo aquilo.
Por que diabos ela não respondia mais as mensagens. Não atendia as ligações.
Pois se alguém fizesse uma visita lhe trazendo o motivo, Johanna ficaria grata.
Não sabia. Não sabia o porquê de uma rotina tão leve lhe doer desse jeito, ou de
um pouco de peso a mais lhe causar tanto sufoco. Só o que ela sabia é que não
estava pronta.
Se alguém
entrasse sem bater... invadisse seu quarto, seu corpo, sua alma, sua vida com
preocupações e cuidados sinceros, lhe acariciasse os cortes, ficasse em
silêncio e a escutasse sem achar graça.
Suspirou.
Involuntariamente,
com o canto dos olhos, vislumbrou o relógio. Quatro da tarde – desperdiçava a
vida dentro do quarto e não havia nada que ninguém pudesse fazer. A não ser, é
claro, invadir. Riu-se da idéia. Amassou a ponta do cigarro no cinzeiro e
deitou-se novamente. Não havia nada que ninguém pudesse fazer.