17.5.12

Despreparo corrosivo



Acordou e optou por não olhar as horas. Medo de se sentir culpada, ou por dormir demais, ou por dormir muito pouco. Na cama, acendeu um cigarro, apanhou o café que restava da madrugada passada e despejou no estômago. Frio, amargo. Como o vento lá fora. O clima ardente fazia com que as cicatrizes pulsassem. Tudo ardia e Johanna apertou os olhos com força. Era domingo, mas pouca ou nenhuma diferença isso fazia. Já há dias que ela mal deixava o quarto, ia até a cozinha, comia uma maçã e voltava para debaixo das cobertas. Às vezes enfrentava a rua pra comprar um maço novo, forçava um sorriso para o padeiro. Bom dia. Eram cinco e meia da tarde, mas bom dia. As cicatrizes mais recentes iam se tornando cor-de-rosa-claro e ela mal suportava olhá-las. Ela já sabia que isso aconteceria desde o final do último verão. A nuvem negra que se formava em suas veias vinha crescendo, mas não existiam muitas responsabilidades naqueles tempos, nunca existiram, então devia ser coisa pouca.
Se lhe batiam à porta, fingia dormir. Os que vinham visitar não estavam realmente preocupados; era apenas curiosidade. Vinham saber qual o motivo de tudo aquilo. Por que diabos ela não respondia mais as mensagens. Não atendia as ligações. Pois se alguém fizesse uma visita lhe trazendo o motivo, Johanna ficaria grata. Não sabia. Não sabia o porquê de uma rotina tão leve lhe doer desse jeito, ou de um pouco de peso a mais lhe causar tanto sufoco. Só o que ela sabia é que não estava pronta.
Se alguém entrasse sem bater... invadisse seu quarto, seu corpo, sua alma, sua vida com preocupações e cuidados sinceros, lhe acariciasse os cortes, ficasse em silêncio e a escutasse sem achar graça.  Suspirou.
Involuntariamente, com o canto dos olhos, vislumbrou o relógio. Quatro da tarde – desperdiçava a vida dentro do quarto e não havia nada que ninguém pudesse fazer. A não ser, é claro, invadir. Riu-se da idéia. Amassou a ponta do cigarro no cinzeiro e deitou-se novamente. Não havia nada que ninguém pudesse fazer.

3.5.12

Tudo está bem.


Não precisa cavar muito fundo pra ver que foi desperto aquele lado antes adormecido. Frágil, delicado, assustado. A louca, corajosa, inconseqüente, ainda está lá, em algum lugar. Mas foi desconstruída a fortaleza holográfica que eu me esforcei tanto pra projetar. E o pior é que eu não ligo tanto quanto deveria. Me sento na janela pra olhar as estrelas, acender um cigarro, ouvir aquela música. Eu sinto o medo. Agora eu enxergo a neblina encobrindo o futuro. Percorrem minhas veias, vertentes de riso, de lágrimas, de sangue quente que tanto deixei escorrer. A auto-destruição, obviamente, sempre atrai. Mas agora, mesmo assim, desejando tanto algo que me faça bem. Me permito sentir a saudade e me permito expelir isso que pulsa forte a semana inteira. Às vezes, todas as noites são noites solitárias de domingo. E tanto nos finais de tarde quentes quanto nos envoltos pelo vento gelado, eu queria que você estivesse aqui. Mesmo que pra não fazer nada, um café, uma cerveja, música, cigarros, filmes e tudo isso que eu poderia fazer sozinha.
E por acaso foi encontrada escancarada a desordem que eu sou, e é verdade que eu ainda me envergonho do caos contido que ainda me resta, das cicatrizes que ficaram. É verdade que existem os tremores e os dramas e as lágrimas derramadas sem sentido, os vícios e manias e rascunhos escondidos, as pequenas tempestades cinematográficas, as angústias infundadas. Mas, meu bem, também é verdade que há essa paz que vem me vindo aos poucos e com ímpeto, que eu sorrio sozinha ao me lembrar de despertares, e que por causa disso eu venho me desapegando de tanta insegurança. Eu só preciso de um abraço forte. E por enquanto, eu juro, está tudo bem.