28.2.12

Pequena ode ao cansaço

Tontura,
Cansaço,
Fraqueza,
Exaustão,
Os dedos, as unhas, fincados no colchão
E eu
Desabo
No meio-fio
Na beirada da cama.
Três bules de café.
Duas cenas de filme.
E enquanto eu corro,
As pernas bambas,
Eu me morro,
Tremor.
E escorre sangue
[me corta um sorriso]
Suor e lágrimas
E caem
A pressão
Fecham-se os olhos,
O riso me escapa.
Sem jamais adormecer
Levanto
Imersa na ofegante, dolorosa, gratificante canseira.
Jamais desperta.

26.2.12

Cinzas de carnaval

O café já esfriava e dois cigarros queimavam sozinhos, abandonados no cinzeiro. Havia o cheiro da chuva, do suor, a fumaça, o barulho do vento, os múrmuros e os gemidos, a paranóia que pairava. Mas a faxina será feita na segunda, serão trocados os lençóis, jogadas fora as cinzas, dobradas e guardadas as roupas, lavadas as canecas. E os pensamentos ficariam. Um pensamento meio assim, afoito, desesperado que me entala na garganta quando cogito pôr pra fora. E é preciso que se mastigue bem as lembranças dos momentos pra que elas não me fiquem presas também e se repetindo. É um tal de ter tanto pra falar, mas não me parecer que haja interesse algum em ouvir. Então eu sorria. E suspirava. E me aconchegava em uns braços, repetindo mentalmente tudo o que há pra ser dito, desejosa e ao mesmo tempo receosa de algo meio telepático. Que pudessem ouvir que eu geralmente não sou dessas meninas que andam de mãos dadas, que como-é-bom-acordar-desse-jeito, que eu sou vulnerável, insegura, maluca, medrosa, inconseqüente, impulsiva, ou mesmo que às vezes eu me sinto tão bem que assusta e eu aí sinto vontade de fugir. E querer escutar "não, fica". 
Mas nada disso importa agora. A fumaça sai pela janela. As sensações são boas, e tudo bem guardá-las dentro de mim agora. Que tudo se exploda em uma respiração ofegante, olhos e lábios vertentes de riso e lágrima. O carnaval vira cinza no chão... mas a faxina será feita na segunda.

9.2.12

Pedaço de Agosto

Sinto Agosto se aproximar. Em dias quentes assim, ele caminha em passos curtos e rápidos, e eu posso me observar sentada na calçada, engasgando com as lágrimas e a fumaça. Posso ver as noites de sexta trancafiada em casa, oscilando entre considerar as giletes  e uma auto-piedade patética. Ah, sim, Agosto. Os - não-bastam-trinta-mas-trinta-e-um-dias de desgosto, tremor, medicação dobrada, morcegos no estômago e vinho barato, as falsas promessas de "estarei aqui", pensamentos demais e oficina do diabo mesmo assim. Eu sinto na ponta da língua o sabor e sinto as cicatrizes avisando como quando avisam se vai chover. 
É um daqueles dias de presságio em que meu reflexo na vitrine fala: vou ser abandonada e não vou conseguir dormir e vou comer demais e vomitar demais e fumar demais, e todos os dias vou olhar o calendário, rezando para que o cachorro louco vá embora - mas ele insiste em ficar um pouquinho mais.
E eu procuro refúgio em conversas jogadas fora com desconhecidos, finais de tardes vadios e na lua cheia que já não me parece tão mais linda e já não vem mais me dizer do amor. Escrevo e a feiura não sai. As palavras estão entaladas nas veias cavas. Mas ainda é verão. O suor escorre, o café não esfria nunca, o cigarro apaga e eu ainda sou tão jovem. Tantos meses e tanta dor a serem ignorados. É só outro presságio. Ainda há tempo para ser forte.

1.2.12

(NÃO) PERTURBE

E se - por acaso - você entrar sem bater e me pegar no pulo? Vai encontrar os fundos das canecas borrados de chá e de café, vai me encontrar enquanto visto meu sorriso mais desprendido e escondo as tralhas no armário, enquanto internizo e organizo minhas desordens. E se encontrar os filmes pausados, os livros que eu li pela metade e as discografias que eu fiquei de ouvir e nunca terminei, e se. E se você entrar sem bater e vir que eu ainda escondo os medos debaixo da cama? Entrar sem bater e encontrar meu peito escancarado e – deus que me livre! – enxergar lá dentro toda a angústia nele instalada, descobrir minhas veias entupidas de paranóia. Enquanto eu troco os lençóis e rasgo as páginas de rascunho que eu deixei pela metade. E se, e quando descobrir que eu me agarro aos meus temores, que me habituei aos meus tremores, que eu deságuo em lágrimas nas noites de tédio, que teço teias de tramas e dramas nas horas de solidão? Vai encontrar os cabelos cortados pelo chão, os frascos de remédios em cima da cômoda, as lâminas que ainda estão ali guardadas (só para o caso de); e quando? Se souber que revivo romances e me engano por pouco e que fujo e que volto e tropeço vezenquando mesmo sabendo das pedras no caminho... Também há meu desamor-próprio, há que eu preciso sempre de um abraço forte, que todo mês de Agosto eu me afogo nas tempestades em garrafas de cerveja e que nesses tempos minhas cicatrizes doem. E se você entrar sem bater? E se alguém entrar sem bater, meu Deus, e dar de cara ali com toda a minha demência, minha farsa, e toda emoção que eu escolho não mostrar? Vai fechar a porta, recomeçar, fingir que não viu nada e bater? Deixar tudo aberto e correr? Queira o céu que esse dia seja bem vindo. Queira o céu que você entre e me ajude a limpar a alma. Queira o céu.