28.10.11

Gramatical e essencialmente incorretos

Às tremas trêmulas da delinqüência - estremeço. Espalho crases e acentuação e devoro vírgulas e desorganizo os hífens, os pontos-finais e poetizo mediocremente as sensações turbulentas; turbulentas e confusas, tão turbulentas e tão confusas que não se prendem à gramáticas, à regras não se organizam em pontos nem vírgulas páragrafos fim começo meio parênteses. Aposto no pequeno caos da escrita, que é o imenso(rável) caos do espírito. Aposto nisso para que sintam como eu sinto, ou ao menos se sintam sob a sombra das nuvens tempestuosas dos meus pensamentos, sentimentos, olfato, visões. Versos gramaticalmente, essencialmente incorretos. Tortos. Tortos tortuosos assombrados. Não quero pensar em conseqüências hoje. Nem no futuro. Nem no passado. Nem no agora, na verdade. Quero, hoje, ser mera espectadora dos meus atos e, como quem se entretém com um livro ou filme, pensar que "bem que a mocinha podia ter feito isso ou aquilo", mas sem jamais intervir, porque isso não me convém. Não me convém tomar para mim as minhas próprias responsabilidades nem as de ninguém. Sinto-me exausta demais... perdão: ela (assim, na terceira pessoa, me tiram um peso das costas) sente-se exausta demais para qualquer preocupação que não seja: relatar sem se preocupar com toda a pon-tu-ação a-li-men-ta-ção re-ti-dão estudos e para o diabo. Não fica bonito mudar o foco no meio da redação. Não fica bonito sentar-se com a coluna assim, não fica bonito fazer. Mas faz. Hoje ela se dá permissão pra errar. Demos-nos, também.

De olhos fechados

"Saudade de você."
"Também to"
"Sinto sua falta"
"Sente não"

Bárbara, que era de poucos sorrisos, sorria pra Maria Elena e se explicava "sorrio é porque gosto de ti". Sorrisos desajeitados-enferrujados e mentiras bem-contadas, pensou Flora mais tarde.

Suspiro.

"Sinto, sim"
"É tédio. É solidão."
"Solidão sempre foi."
"Pois então."
"Mas agora é mais. É solidão de você."

Maria Elena costumava passar os braços compridos ao redor da cintura da menina, depois colava o rosto no dela e guardava o momento na caixinha de antidepressivos pra tomar mais tarde, na hora do café e dos remédios; pseudo-zen à beira de um ataque de nervos que era. Passava vários instantes assim. Media o tempo desse jeito: em instantes. Repetia o "gosto de ti", pegava um cigarro, punha entre os lábios. Bárbara perguntava: é o primeiro? Terceiro, Maria respondia, e então guardava, e beijava-lhe a testa com a boca de cinzas porque queria cuidar dela. Costumava, só. Não queria dizer

"Não fica sozinha de mim. 'Tamos aqui, não?"
"Quero te ver."
"Abre os olhos."
"Você ta na minha cabeça."
"Abre os olhos."
"Se eu abrir, você sai dela."

Domingueira adiantada

Essa semana tem um quê de segunda e um quê de domingo e um quê de sexta-feira todos os dias (quanto ao ponto da sexta, às exatas dez e trinta e cinco da manhã). Vai ser sábado e mesmo assim o final de semana não chega nunca. Ou chega e é um final dolorido, como naqueles livros os quais pelas páginas você correu tanto com os olhos, tropeçando nos parágrafos e pulando significados e agora só sente peso da melancolia do último capítulo. Peso denso demais pra se absorver num capítulo só. Tento me ater às palavras desconhecidas (ósculo; omoplatas) e às cenas mais bonitas, mas a última página chega ao final de uma forma ou de outra. Toda e qualquer oportunidade que surja de beber, sorver, engolir essa melancolia de uma vez só - injeção ou comprimidos - é bem vinda. Talvez seja o inferno astral, penso. Mas ainda é dia vinte e sete do mês. Vinte e oito. Li em algum lugar que não existe tempo, depois li que existe, sim. Hoje mesmo, na verdade. Me apanho pensando: inferno astral - inferno astral - inferno astral. Talvez algo relacionado à Vênus e Marte, talvez meu Yang esteja cansado, talvez seja o desconcerto do horário de verão ou pode ser só preguiça. Só quero me deitar debaixo do ventilador e assistir algum filme francês (porém sem muito significado, sem prestar muita atenção nas legendas).
Horoscopomaníaca. Se eu tivesse filhos, por eles seria capaz de aguentar mais um dia. Não tenho. Penso em minha mãe. Penso em ligar: "alô, mãe? Não quero voltar pra casa hoje, não. Agora não. Quero ficar na rua bebendo uma cerveja gelada nesse sol quente." Afinal, hoje é mesmo sexta-feira. É sexta e me sinto exausta. É sexta e talvez (vergonhosamente) eu só deseje mesmo que fosse domingo, pra deitar numa rede a tarde todinha, me desculpar depois da sopa e ir dormir antes do Fantástico. Muito antes.

27.10.11

Queridas lamúrias (relato)

Desesperançosa. Não parcialmente, sabe, mas também não totalmente. Caminhei em passos rápidos até a padaria e fiquei dando voltas – queria um cigarro só, só um (juro que só mais um, juro que parei), mas não me arriscava a entrar num boteco mulambento pra comprar solto. Compro, vencida, acendo (perdi o isqueiro), sento no meio-fio, torta como estou e como sempre fui e espero por sei lá o que, por alguém que me pergunte: “menina, tais passando mal?”, e na situação mental que criei, eu responderia: “to sim, to mal do espírito, moço”. E na minha história o moço é um velhote de cabeça branca e chapéu bege. O dia tão bonito e o mundo todo desordenado. O gosto ruim na boca, o aperto no peito que não me larga faz não sei se são dez meses ou dez minutos. Vou morrer jovem e feia e enrugada por dentro e desesperançosa e com essa carinha de menina cheia de vida. Hoje eu desisti de consertar o mundo. “E aí”, conto mentalmente pra algum amigo imaginário “aí você percebe que quem se importa é só tua analista, e é por salvar a dela, é porque ela é paga pra isso”. Em passos rápidos eu corro ando “sem cavalo preto que fuja a galope” troto em busca de gente de alma densa, mas a rua está cheia de gente vazia. “Ta todo mundo desalmado, entende o que eu digo?” Meu amigo imaginário entende, mas não me abraça. É um desalmado também. Só faz me ouvir. E digo, insisto que não tem remédio, não tem, que quero só que chegue segunda-feira logo e o dia da consulta pra eu poder me lamuriar que não existe uma só viv’alma que se importe. Pra eu poder ser de novo a paciente de classe média com uma depressãozinha (classe C) & algum TOC leve irrelevante & problemas comuns do adolescente brasileiro sem geração e sem causa.

Diálogo num dia zombeteiro

- Sabe o que eu odeio? Um dia tão triste como este e esse Sol brilhando, esse céu lindo, azulzinho, nuvem nenhuma, zombando da gente. 
- Que foi que disse?
- Nada.
- Você disse algo sobre triste.
- O dia.
- De hoje?
- De hoje.
(suspiro)
- Mas por que diabo o dia de hoje é triste? O céu ta lindo, não ta?
- Por isso.
- Porque o céu ta assim, azulzinho e sem nuvens?
- É, e você vai me deixar.
- Que idéias são essas, menina?
- O dia está lindo e você vai me deixar. Uma merda tanta ironia.
- Quem falou que eu vou te deixar hoje?
- Não disse que vai ser hoje.
- Mas disse que o dia de hoje é triste.
- Hoje é triste porque você vai me deixar um dia.
(outro suspiro)
- Ah.

Eu-preciso-de.

Eu preciso de. É viver nesse constante “eu-preciso-de”, as três palavras, falta uma, duas, sabe-se lá quantas e sabe-se lá quais, de beijo abraço cigarro café tequila trepada lâmina compreensão reza crença  fé amor  chorar rir mãos dadas um carinho um livro brinde sorriso presente vingança analista psiquiatra droga amor causa luta amor força amor (já disse três vezes, eu sei: love  love love [...] is all you need),  eu-preciso-de. Vira anemia de algo, afeto ou sei lá, só ferro mesmo, há dias em que não como direito, não durmo direito, não penso direito, tenho pirado nessa coisa de tentar ser bonita e talvez seja disso que eu precise, talvez não. Li em algum lugar – ou só senti, pode ter sido – que falta de desabafo vira câncer no coração da gente, faz buraco de verdade e não adianta preencher vazio com incenso, leitura em tarde chuvosa, mantra indiano e o diabo que o valha, sabe? Eu vou distribuindo às cegas as vírgulas, hífens pontos-finais. Ponto e vírgula; parágrafo
gra
du
al
men
te
e como eu bem entendo, eu coloco as tremas e que se foda a nova ortografia, não é dela que eu preciso. Eu preciso de! E me abasteço da cafeína diária, exclamando interrogações ao vento: “Eu. Preciso. De???”
Talvez eu precise de uma religião nova, dessas que tragam algum barato e eu possa dizer “é espiritual, cara, transcendental” quando me acusarem de delirante ou coisa assim; ou talvez algo mais concreto, talvez eu compre um gato e o acaricie quando o céu ficar cor-de-rosa todo final de tarde (droga, eu quero um cigarro, pra quê diabo tanta saúde se nem sei se quero viver muito?) e... reticências, eu me perco, eu estava falando de gatinhos ou de uma bicicleta, talvez eu precise de.


"Ou talvez eu só precise de férias, um porre e um novo amor. Porque no fundo eu sei que a realidade que eu sonhava afundou num copo de cachaça e virou utopia”. (Caio F. Abreu)

25.10.11

Désespoir Agréable

Vinte e três minutos gradualmente se convertem em dois. Gradualmente e depois rapidamente e depois de uma vez só, mil trezentos e oitenta segundos transformados em um turbilhão de lembranças sensações e míseros (não chegam nem mesmo a ser) instantes! As páginas do livro se desfazem. Sinto-falta-de. Désespoir Agréable é o nome da música - só o piano, ouve só que delícia, logo eu que sempre detestei a falta de palavras e esse silêncio calculado não estivesse em em alguma cena triste de um drama água-com-açúcar hollywoodiano.  Logo a amante das palavras e dos versos de pé-[pernas-braços-pulsos- cabeça-coluna]quebrado, escutando a mesma melodia sem-letra-mas-com-tanto-a-dizer! repetidamente. As letras escorrem por entre os meus dedos e - vejam só! apanho antes que caia no chão a essência de algum grande autor da contracultura, do grande movimento flower power o qual nunca chegarei aos pés. Escrevo pra que meus versos permaneçam tão mudos quanto os desse instrumental: com tanto a dizer! porra, com tanto a dizer.

A alma em pêlo, 
um apelo:
peço que me aceites de qualquer forma
aceita minhas doenças auto-induzidas 
aceita minhas feridas (auto-induzidas também, ou não)
me aceita me abraça me tem me mantém assim


Finge que não sabe que às vezes bebo em demasia
que volto a fumar se me deixares
um maço dois quatro numa semana para um par de pulmõezinhos jovens
Vísceras encardidas
espírito em frangalhos
coração remendado
que minha poesia não é tão original quanto pensam por aí
que não tenho dom algum
Finge que não sabe do amor que tenho por ti
finge que acredita no amor que eu [não] sinto por mim
Finge comigo!


Me sinto só
me sinto abandonada às minhas próprias mãos
ao meu próprio requinte de crueldade
e Ó, ninguém no mundo me faz tão mal quanto o meu Ego
(e disso todo o mundo, no fundo, sabe)
capaz de transformar em facadas as mais ternas carícias
e em dores os mais doces amores
(e veja só essa porrada de clichês: amores cores flores dores e o diabo todo)


Dó dó dó dó
sem ré sem mi sem fá
hoje não nasce o Sol
sem Si
sem pena, meu bem
sem Dom que o valha
apenas Dó

Essa minha bobageira de escapismo com explicações transcendentais: cartomancia, astrologia, búzios e vidas passadas.

Um novo filme cá e acolá, arranjo um “complexo de” & o nome da protagonista (ou mesmo a secundária, tanto faz) perturbada e insatisfeita, debilmente complexa, possuidora de uma clichezada de dualidades. Uma hipocrisia dos diabos, toda essa minha pretensão saudável, enquanto só me liberto pondo pra fora as lágrimas as tripas a alma, enquanto todo o mundo sabe que minha mente - ah, a psique! Bla-bla-blá a psique humana isso e aquilo – não passa de uma adicta de dependências, uma dependente de adicções, e a vegetariana pseudo-macrobiótica aqui, dada às faculdades das saúdes mentais, só quer a porra de um cigarro e meio passo de distância de tanta imperfeição; quer vomitar essa porcaria toda; enquanto deságua sangue e oceano pelas minhas veias, vias lacrimais, vaias. Trêmula, tremas nos U, pingos nos I, cortes nos T, (não) cortes o mal pela raiz – deixa crescer, deixa, vai! Tanto positivismo pra tanto auto-amor no vermelho, no negativo, um buraco mesmo: vai corroendo corroendo corroendo corroendo vira tumor maligno no espírito. Um espírito tão espremido, coitado, nessa carne podre!, tão grande (imensurável) pr’um corpo só! “Insatisfação crônica”, essa “coisa” – a palavra só pode ser coisa, não há outra – essa coisa de querer sabe-se-lá-o-que; um infinito maior, um lado B ou a contracultura de volta... vai ver é querer um tico de nada de dor doce, meio azeda, feito um morango. Vai ver eu só devesse me aceitar assim: amplificada – interrompida.  Me aceitar assim, com essa fé fodida, gigantesca, linda, besta, sem ter direito em quê botá-la, com esta esperança ridícula de que você me venha com o perfeito tesão-físico-e-espiritual e amor-transcedental-e-concreto; me aceitar com essa crença idiota tirada de uma filosofia idiota de boteco. Me aceitar e aceitar a idiotice que é a vida (sem essa minha bobageira de escapismo com explicações transcendentais: cartomancia, astrologia, búzios e vidas passadas), e aceitar  que aí você morre e não dá pra saber.  Não dá pra saber pra quê gastou tanta grana em análise, tanto tempo em auto-análise, pra que tanto saco cheio em analisar os outros. Que porre que vai ser se não tiver Nirvana, se não tiver Paraíso ou Inferno que o valha, que porre que vai ser se a vida vai ser sempre mesmo esse eterno purgatório e não há meditação, religião, provérbio droga boa-ação dom artístico poesia música que valha a chatice dessa existência curta e cruel na Terra. E que porre que deve ser pra você, meu bem, minha querida, eu colocar tudo isso sobre os seus ombros – seus adoráveis ombros e minha alma em chamas meus lábios em cinzas. E que chatice pra qualquer outro ser no planeta que meus dias agora se resumam em criar mentalmente um futuro repleto de você. 

21.10.11

Horas em que me ocorrem frases, palavras, recortadas de todo o sentido:


ósculo
psicoterapia medieval em confessionários
alma em pêlo
carne osso sangue alma id ego
espírito caleidoscópico
flores, cores, dores (piegas ao máximo!) e todos os males vêm com certo aprendizado (mais piegas ainda, menina, por deus!) - amores sabores tambores...
ouvir o vento e sentir a música, como não?
coração desejoso e pulsante como o atabaque do terreiro de quimbanda, mil antipatias em busca do teu desejo
te quero aqui - te quero comigo - te quero em mim - te quero
desconexão
avulsas
recortes
aleatoriamente
versos



20.10.11

Dissolução instrospectiva

Num mundo fadado à melancolia aos finais de domingo, onde se mastiga e engole depressa demais, pouco dado a cumprimentar desconhecidos, e em que as pessoas mal têm ciência da tonalidade da cor dos olhos de seus amores; bem, num mundo como este, me apetece muito listar pequenos prazeres (que - confesso! - eu mesma mal dou a devida atenção): cheiro de incenso de jasmim queimando num fim de tarde de céu plúmbeo e janelas úmidas; o pio da coruja compartilhando de minhas madrugadas insones e pondo ritmo em minhas leituras; despertar, vezenquando, com as carícias dos raios de sol; enfiar os dedos dos pés descalços na areia do parquinho; riso de criança, lambida áspera de filhote de gato nascido no telhado da vizinha; o aroma forte do café preto pronto na exata metade do dia;   beijo: na têmpora, no pescoço, no pé do ouvido, olhos, pulsos, testa, queixo, lábios. Num mundo onde não se aprende bem a distinguir o sabor do amargo do azedo até que se viva os tropeços nos pomares (isto, meu bem, é essa a coisa chata que se chama crescer), ou amor de paixão (até uma noite em que um ou uma prefira assistir um bom filme àquela ardência toda), e em que é raro apreciar a bela vista e a boa música - nele, entrego-me às rasas filosofias de butiquim, e nelas me aprofundo, num mergulho dentro d'alma dos bêbados (que se tornam poetas e, conseqüentemente) loucos. Num mundo em que nos queixamos do tempo perdido na troca do horário de verão, obrigo-me a reler a página daquele romance e fechar os olhos, imaginando, até que as imagens em seus tons e nuances se componham diante de mim. Neste lugar onde nos agarramos tão desesperadamente a cada grão de sentido, procuro.. melhor: procuremos, por favor, aceitar a ausência dele - se não completa, apenas parcial. Numa sociedade contraditoriamente conformista e reclamona, tentar fazer com que um mundo como este se pareça com o meu próprio.

16.10.11

Linha 503

(Não tão) de vez em quando, Camélia ainda tomava o metrô 503, apenas pelo puro prazer da lembrança, movida por uma nostalgia impulsiva. Durante todos os trinta e sete minutos do trajeto, se entregava de alma àqueles diálogos (e talvez possíveis amizades, até romances!, por que não?) subterrâneos. Falava de toda e qualquer banalidade ou não que lhe ocorresse: da garoa que ameaçava em trovões, das eleições que se aproximavam, que as entradas pro cinema estavam muito caras, do preço do bilhete do transporte que subia, da cidade que estava crescendo - haviam carros demais e cada vez menos bicicletas. A mocinha bonita de cabelo chanel, olhos castanhos grandes e saia floral rendada disse que tinha uma bicicleta e (essa próxima parte ela falou rindo) que era quase uma ciclista profissional. Ela tinha braços e pernas compridos e magros, um furo bem pequeno na camiseta de algodão. Camélia falou da claustrofobia que dava de andar em trens cheios, que voltava sempre de bicicleta pra casa, se pudesse (o que era mentira, porque Mélia era uma preguiçosa). A camiseta da menina tinha estampada a cara de Audrey Hepburn como Holly Golightly, então Camélia decidiu chamá-la mentalmente de "Bonequinha de Luxo". Pois bem, Bonequinha tinha um olhar cativante e uma risada gostosa, confessou que morria de preguiça de pedalar todo dia de volta pra casa. Levava consigo um vaso de mudas de orquídeas, flores que Camélia adorava. Bonequinha de Luxo mostrou as orquídeas - disse que adorava camélias, também. E o trem chega ao fim da linha.
Sob a luz, o castanho daqueles olhos enormes se tornava âmbar (ou até num verde amendoado, se batia um raio de sol). 'Té mais ver, despediu-se "Holly", que morava vizinha daquela estação. Até! Tudo isso sem dizer nomes, cor favorita, sem saber se ela preferia Chico ou Caetano - ou nenhum dos dois. Tudo isso numa daquelas viagenzinhas que Mélia só fazia pra se lembrar de José. Acendeu seu cigarro e ficou esperando: ainda tinha que pegar  um ônibus; não morava ali por perto. Qualquer dia, novamente pelo prazer da nostalgia, voltava no 503 e falava do tempo, da economia, política, procurava por Zé, procurava a menina Holly - aí perguntava o nome verdadeiro dela! Dizia que se chamava Camélia, como a flor. Ou inventava qualquer coisa... quem sabe!

(meus) Versos avulsos, agora de pulsos quebrados e ligeiramente entorpecidos

mãos vazias corpos vazios
almas vazias
copos vazios
fim de noite.

...encontrou-se segurança no Caos.

Discussões vazias e repletas de palavras espalhadas
semeadas pelo vento
ao acaso
encontrou-se a tranquilidade e o silêncio dentro de si - sim, em meio aos gritos.
Nem tudo estava perdido! Ainda havia mar, ainda havia o restinho de esperança no fundo  da xícara, haviam as boas-vontades de amigos amores ex-amores não-intenções. A garganta queima quando lhe sobem pensamentos claros (que, porém, se emaranham demais na laringe, faringe, traquéia, sei lá... e  a clareza se perde.

14.10.11

(meus) Versos avulsos de pé-quebrado

Barulho de chuva, cheiro de chuva, cheiro de incenso (jasmim), o folk-indie-rock que mais parece um mantra quase inaudível e temperado com trovões - tempestade de sentidos. É tudo muito bom. As fotografias em preto e branco e  as frases nas paredes, um filtro dos sonhos emaranhado num terço de pérolas, cinzas cheirosas e garrafas vazias: meu pequeno santuário. Verdes. Sempre atenta às cores, aos olhos, aos ruídos. Uma ilha de calmaria em meio a tormenta. Uma ilha de perdão, as gotas trazendo a aceitação, a água suja lavando a alma e escorrendo a raiva pelas calhas. É um dia bom. 

"Nós somos as pessoas substitutas. Pálidas projeções de fantasmas do passado, consolos de ex-pais inconformados, maridos insatisfeitos ou viúvas angustiadas.  Somos os dublês dos heróis. Nos cinemas, nas ruas, nas escolas, nas famílias – em lugar algum se aprende a amar-nos por inteiro. Planejados cartesianamente, privados das luzes do protagonismo, sempre sorridentes e em pé no tablado do segundo ou terceiro lugar, apenas esperando; esperando que reconheçam o nosso papel como importante no mundo: o de substitutos."

As gotas trazendo a aceitação, repito.
Sem um bom livro sequer, ou braços aconchegantes para um filme água-com-açúcar. Faço o meu café  preto e me bate aquela saudade mortal de Minas Gerais - nada fora do comum, nada que não me venha todos os santos dias. Saudade da risada do menino, do sorriso dele, do choro dele, da impaciência. Saudade da trapaça, do crime. Nada extraordinário.

Verdes.
Quero abraçá-la.
Meus pensamentos dão voltas, e sempre voltam ao ponto de partida.
Quero abraçar-te.

"...chegou e tirou toda a importância das coisas mais importantes, e de repente as maiores coisas ficaram pequenininhas perto de você. Eu não tenho pensado em qualquer outra coisa, desejado mais ninguém; sempre escuto as mesmas canções e minha vida tem sido apenas um aguardo teu. "

Rabiscos do dia-a-dia comum.

7.10.11

Anita:

Anita sentou-se na mochila de rodinhas,
Cabisbaixa e de semblante triste,
Pensando em sei-lá-o-quê.


Se o nome dela é mesmo Anita, também não sei.
Esse é o nome que eu lhe quis dar.


Cabelos ondulados e cor-de-chocolate lhe caem pela face
as mãozinhas tapando o rosto.
Ah, não, Anita! Vê!
Ergue os olhos e vê:
- talvez a vida seja mesmo bela;
e só em poder enxergar a beleza dela...
pense nisso como um ponto a mais.


Anita!


Anita


Anita, escrever-te-ia uma poesia
Sim, somente para ti, se isso te pudesse arrancar um sorriso.
Não, não chora, menina... não te vai. Fica.
Fica e sorri.
Sorri-me, Anita.

2.10.11

Hoje é domingo

Domingo em que a chuva bate na janela e chora no meu edredom, igualzinho eu costumava fazer nas noites de solidão em demasia, medo em demasia, tristeza carência anemia de afeto raiva e angústia – tudo em demasia. Domingo em que me contento com frases avulsas de escritores mortos, já que você não está aqui, em que me contento com um samba antigo e uma fé firme (porém sem muitas orações) de que a sua chegada está mais próxima a cada segundo. Domingo em que a gente escreve meio que sem saber sobre o quê, só deixa em que as linhas se completem quase que sozinhas, e domingo que era pra ser um dia triste – observe que aqui eu digo que era pra ser, mas não é, e não é porque guardo no peito o pensamento teu. Guardo no peito porque, amor, a idéia de você ao meu lado é tão grande que não cabe só em minha cabeça, mas ocupa todo o espaço: coração, alma, vísceras, pulmões, cabeça. Domingo, dia de me demorar demais em atender uma ligação, dia de não almoçar por pura preguiça, dia de faxina na mente pra me livrar dos sentimentos que já não servem.
Meu filtro dos sonhos se enrosca com o terço, balançam à brisa os desenhos na parede descansam, acendo outro incenso. Espero – e vivo nessa espera – por uma notícia sua. Perco-me nessa espera, em situações imaginárias que eu mesma crio, em meu pequeno (e delicioso) caos particular situado nas quatro paredes do meu quarto. Te espero. Sem cansar-me nunca, espero. Hoje é domingo, pede  cachimbo, pede um café, um carinho, um toca-discos, você.

1.10.11

A janela está aberta

Tudo bem. Faz parte não saber o quanto vai sentir falta. Só hoje eu sei, só hoje eu sinto, só hoje eu me lembro de como era... enforcar o tempo nos corredores, surrupiar o café quente e forte da sala dos professores, jogar conversa fora com o monitor que, cá pra nós, era mais amigo do que funcionário. Saudade mata, mas é que mata por dentro, bem devagarinho, como se a gente tivesse vivendo ao contrário e morrer fosse muito bom - como se a gente fosse se reencontrar, no céu, com toda coisa gostosa que já passou. E o amor prevalece. A menina dos olhos verdes, dela eu não quero nunca sentir esse tipo de saudade. Mas eu sinto, confesso, a cada minuto em que ela não está (e, meu Deus! são tantos!). Isso aqui não é poesia, poema, conto ou prosa. São frases soltas que eu juntei pra falar de mim, dela, de mim e dela e de tanta coisa... se a menina chama de "bolacha" o que eu chamo de biscoito e discorda cá em uma ou outra canção que eu, pessoalmente, considero genial - tudo bem! Tudo bem, meu bem, se eu a amo tanto. 
Se chove lá fora, eu não sei. Vergonhosamente, confesso que ando trancafiada em meu quarto, com meus livros, meus pensamentos (esses sim, vagam há muitos quilômetros de distância e além dos mares), meus perfumes, incensos e caos pessoal. A janela está aberta e não está. Pela primeira vez, não quero deixar entrar nada novo, eu acho. Sinto-me plena, em harmonia e paz. Choro, deságuo, desabo - sim, me desespero como qualquer ser humano comum. Mas afirmo, repito: sinto-me plena, em harmonia e paz. Sinto-me em ti. Sinto-te em mim. A janela está aberta, caso queira entrar por ela.