17.12.13

tu me ocupavas um pedaço de amor
tão grande
que essa minha parte de raiva
tomou toda uma estante
e aqueles 5
livros se tornaram
livros chatos
pra se jogar às traças
serem comidos pelos
ratos
as cartinhas e os artesanatos
nome no arroz/antes/depois
devolve minha grana toma aqui de volta meu drama e essa
Brahma
gelada
geladinha 
feito teu coração.

8.12.13

Bangue-Bangue

eu atiro
e eu mato.
tu sentado na minha frente
e uma taça de vinho barato.

o gozo
deságua
em 
nojo.

um-dois-três.
anjo da vingança divina,
vodca com quetapina

é como se você nunca tivesse passado aqui.

"vingança" é o nome que dão para justiça
feita pelas mãos de quem levou o primeiro tapa

a poesia mais linda do brasil

Júlia dormindo
Júlia acordando
pintinhas costas da Júlia feito constelação contra o sol logo de manhã
Júlia dançando
Júlia chorando sentada no chão
Júlia sorrindo
Júlia e um passarinho
de vestido de passarinho
Júlia na janela
de amarelo
Júlia e Frida, Júlia e Niti
Júlia chapada assistindo Monty Phyton 
Júlia deitada na grama
correndo em volta do fogo

oceanchild calls me
Julia, Julia, morning moon, touch me
Julia, seashell eyes, windy smile, calls me

Júlia virando as costas
na rodoviária

Júlia.

3.12.13

eu
tu
ele não
desenhadas de giz
só nós.
à sós.

A-mar

Há mar
no litoral
na cachoeira, também.
no riacho e na capital
Há mar no Hell de janeiro
na Bahia e em Fortaleza
Aracaju

Há mor
em essepê
eu e você
perdidas
na paz de dentro do caminhão de gás

27.10.13

sobe a serra, desce o altar

imagina você numa bicicleta
vermelha
pedalando o contorno da praia
com o mar nos olhos.
imagina girassóis na cestinha da bike
o sol no céu
cor-de rosa, laranja e azul
deixando muito assim, meio que
uma fotografia
em preto-e-branco.

imagina a nostalgia com nome
rosto
documento de identidade, cpf e inscrição pro vestibular
a nostalgia dançando por aí de cara pintada
de saia indiana
de pés no chão
olha lá a nostalgia rodando feito peão
fugindo num balão pra Amazônia
com um livro de Bukowski debaixo do braço
riso na cara e sem celular

pensa só na saudade
quebrada
(esse verso é inteirinho dedicado ao "adeus" que eu não te dei)
chorando baixinho ao lado da Jukebox
com uma garrafa de cerveja na mão e bebendo
assim
no gargalo, mesmo
com o rímel borrado
gastando tudo em fichas.

imagina aí eu-você-juntinho, sabe?
correndo por cima da ponte
fingindo que o mundo nem existe mais
maracas na mão
rumba na caixa
saindo passear vida afora.

Endominguei.

eu sou inteirinha feita de domingos
aqueles cheios de solidão,
cheiro de frango assado e macarrão.
aqueles domingos de beira de piscina
com gostinho de pôr-do-sol
e bem-te-vis tristes por todo canto

e eu, que mal te vi
mal reconheci
nem me despedi.

às vezes pra deixar uma quebra
no verso
umas reticências
um reencontro sem "olá"
que eu só quero mesmo é te beijar.

endominguei 
todo mundo detesta
domingos.

domingo ao som de barão vermelho, tribalistas e legião
(larga dessa vida urbana e
vamos morar no mato
onde não existem segundas-feiras de manhã)

vamos pichar os muros da metrópole com frases de Drummond
vamos vender poesia no semáforo
dançar descalças na faixa de pedestres
e roubar um caminhão
inteirinho.

endominguei tudo
endominguei a gente
endominguei o amor.

21.10.13

29

eu esvaziaria todo o ar dos meus pulmões
pra ficar beijando
sua boca suas costas seus pulsos suas mãos

eu ficaria cega pra todo sempre
se isso fosse preciso
pra olhar seus olhos sorridentes

ensolarada e febril
eu almejo você
uma alma alucinante
a alma mais bonita do mundo.

256

debaixo das minhas unhas 
têm as suas células mortas.
abre a janela?
"não solta da minha mão"
não solto, não.

eu não tenho lar
não tenho ninguém
não tenho nem um maço de cigarros
e nem me sinto segura

vou fugir de casa
vou correr pra rua
vou fugir da rua

eu aposto nos
oitenta e sete por cento de chance
de dar 
tudo errado

18.10.13

Eu sou astróloga e conheço a história do princípio ao fim.

Eu quero traçar meu mapa nas pintinhas das tuas costas
- onde ficam minhas constelações favoritas -
que é pra ele ser sempre Astral.

Eu ascendo na minha menina.
Te faço de Vênus.
meu amor, meu amor.
eu gosto de falar de amor
eu gosto de pensar-amor
racionalizar
amor.
Mas ô, meu bem!

Ô.
Cariño.
Como me afeta esse afeto nem uma lua em gêmeos consegue entender.

Ascendo em você.

15.10.13

queria falar de luta, da repressão
queria falar em cuspir nos caixões dos torturadores,
da ditadura.
queria falar em queimar a bandeira
cobrir a cara
fazer farra
me embebedar.
mas só sei pensar que
as pintinhas nas suas costas parecem uma constelação
que quero beijar o céu - com licença
a palma das suas mãos
nas minhas
mãos
e sua boca machucada [do acidente que é estar longe de mim].

queria pixar o muro da frente da sua casa
escrever que depois dos 20 o tempo corre
que eu te quero até os vinte e nove
e depois mais.
eu quero revolucionar você.
com você.

e tenho certeza de que seria o fim das guerras se os grandes líderes mundiais te vissem
sorrir
e tenho a certeza de que nunca mais morre quem um dia pôde te beijar.

você é mais eterna que o poeta
você é tão eterna quanto a poesia
tão eterna quanto a rosa de hiroshima ou uma saudade ou o oceano
eterna feito éter
feito deus e o diabo
os Beatles
tão eterna quanto as muralhas da China ou qualquer ruína.
infinita que nem
o espaço sideral
te ganha
a galaxia nas tuas costas.

esse amor é ridículo como
star-girl
cidade de São Paulo
um palhaço triste
a distância.

e é o que há de mais importante
no mundo
inteirinho
(depois de você)

18.9.13

procrastino a felicidade
procrastino o amor
procrastino a paz
procrastino a luta
procrastino a dor

adiei a análise,
faltei no trabalho,
fechei aquele livro e nunca mais abri.

desmarquei com a minha amada
me atrasei na rodoviária
tive medo de ouvir a verdade
e preguiça de desabafar.

pausei a música
parei o filme
há 3 dias sem fumar e tremo
mas bocejo de desânimo
não fui à padaria comprar os meus cigarros.

cancelei todos os compromissos,
que eu tenho um encontro marcado
com a solidão.

14.9.13

ashtray heart

a conexão, num fumódromo, dura apenas um maço. 
melhor se aproximar de uma vez,
melhor dar logo um passo. 
o jeito que ela leva o cigarro até a boca,
sorrindo
e traga
seu corpo

até mim. Por favor.

"você tem fogo"?
a gente ri.
o mundo é frio
tem uma luz que.

amor de fumódromo é uma coisa curta.
bonita. finita.
as palavras viram cinzas
o tempo vira fumaça.
ninguém fala nada.
apenas ficamos morrendo, juntinhas.
adoecendo pouco a pouco
ao seu lado.

20.8.13

pois que mais alvo que a neve o teu sangue nos torna, Senhor.

bendito seja o Cordeiro 
que na cruz por nós padeceu.

(o animal foi criado para servir de sacrifício do Humano).


alvo, ainda mais que a neve.

(o negro foi designado pra servir ao Branco.)


sim, nesse sangue lavado


(a chacina de mulheres é justificada pela honra do Homem).


mais alvo que a neve serei.


Oh! Quão profundas as chagas.

cruxifiquemos Cristo novamente.
Deus diz que em seu nome estamos livres.
ele mente.

a gente acaba se tornando meio solitária quando quer alcançar o alvo.

19.8.13

hell

Eu me lembro de quando passava horas pensando em várias maneiras de te declarar meu afeto. Meu amor, meu amor, não era o bastante que eu te chamasse assim. Sendo assim, a cidade continuava maravilhosa, você permanecia encantadora e uma neblina cobriam as aulas de gramática. Poesia. Até Vinícius podia, se fosse pra te ver sorrir. 
Eu te adorava em todos os centímetros intocados do seu corpo.
Enquanto isso a gente virava crônica, eu desaguava solitária em romances não vividos porque sabia que éramos nós ali. Duas meninas. 
O som da gaita, as gotas da piscina, sua risada ecoando madruga afora. Você gosta de café? Eu gosto, eu gosto. Não vamos nunca mais dormir.
Tu acende um cigarro, eu censuro. Quero teu peito intacto. Quisera eu habitar ali. A conversa vira fumaça, a distância vira cinza e eu me sinto próxima. Tão pequena, tão menina, tão The Beatles e Cachorro Grande, e eu ali, acreditando estar apaixonada. Eu estava.
Cheia de encantos mil. Eu ainda lembro, como me esquecer, estávamos sempre embriagadas. Também não me esqueço das suas mentiras, das nossas risadas. Do meu sofrimento das 22h às 4h da manhã – insônia desejo desperta... deserto. Um “meu bem”  construído na areia. Que pena. 
Com amor,
sua. 

17.8.13

amor oprimido, rancor reprimido.

a mulher sentada no meio-fio de madrugada.
um sorriso triste de lábios
vermelhos.

isso é sangue ou é batom?

quanta melancolia há de se encontrar na beleza de um romance
regado a gritos e "nãos"
hematomas,
sexo de reconciliação.
mas ninguém se reconcilia.

e eu continuo me perguntando sobre os lábios vermelhos da moça.
é sangue ou é batom?

ela acredita viver dentro duma poesia 
poema tanto quanto sádico, talvez.
eu sei.
eu te sinto.

é sangue.
é batom.
a arte imita a vida.

11.8.13

me disseram que eu era única.
me fizeram acreditar que eu era
diferente, genuína, especial
que eu seria artista de cinema
bailarina
poetisa
viajante
desbravadora dos mares do éter do espaço
sideral.

sideralmente - veja bem onde eu estou
até onde a estrada me trouxe.
no céu, estrelas mortas que ainda vemos brilhar.
nos deixamos atrair por elas como mosquitos de luz
até aqui onde caule de violeta não perfura asfalto.

não alcançamos o éter,
não alcançamos o alto.

aqui estão todas as pessoas que sonhavam com a luz.
agora compartilhamos sonhos dormentes na escuridão
com sorrisos frouxos,
voz mansa,
dor nas costas
restos de esperança
destroçados pela última ligação.

"o que deseja?"
ninguém nunca mais me perguntou o que eu desejo.
eu desejo que o relógio marque as dez.
eu desejo me embriagar.
esquecer.
voltar para aquele tempo em que eu era única.

aqui morrem os promissos. 

9.8.13

Coração inteiro, ego partido.

não creio que as pessoas se completem. 
mas falta algo. 
falta algo e eu não sei o que é, ou de quem vem. 
falta.
e tenho que ficar repetindo pra mim mesma, como um mantra:

"eu sou uma pessoa inteira"
"eu sou uma pessoa inteira"
"eu sou uma pessoa inteira"
"eu sou uma pessoa inteira"
"eu sou uma pessoa inteira"

eu sou uma pessoa miserável.
e esse é um mantra mentiroso.

Revogo o perdão.

você arrancou de mim
a parte que amava sem temer
a parte que amava doa a quem doer
sangue,
suor
e lágrimas.

agora você me deve ao menos
(meu bem)
suas noites tranquilas de sono.
espero que envelheça rápido,
morra jovem
e desesperado.

6.8.13

O amor é uma doença degenerativa.


Sei lá se foi amor. Foi algo do tipo, acredito. Me fizeram acreditar que fosse, ao menos. Que era assim mesmo. E dói - mas não como antes. Não é a ausência que machuca dessa vez. Sua presença me assombra.
Queria te desfazer de mim. Esfregar a pele até que ficasse em carne viva, pouco importa, só para que não lhe reste recordação alguma dos seus toques. Quero cuspir fora os beijos. Transformar em ânsia o prazer. Quero que os suspiros e sussurros se tornem em berros de fúria. Eu recolho o meu perdão.
Nada que você faça vai adiantar. Você não pode mais ficar aqui. Não com essa máscara, não com esse sorriso, não com esses presentes, não com suas promessas de que tudo ficará bem. Eu quero que dos teus registos só me restem as cicatrizes, que suas amarras me deem força para reagir.
Eu não quero te apagar da memória. Não mais. Quero gravar bem suas juras de morte para que tudo isso me mantenha viva.
Eu já não sou a mesma.

Uma pena eu nunca ter sabido quem você é.

26.7.13

Não me deixe como me encontrou. Me rasgue. Me suje. Costure. Rabisque. Escreva. Desenhe. Dobre. Amasse. Mastigue. Pise. Deixe cair. Tire. Arranque e acrescente.
Não me permita que eu passe hoje pelas suas mãos e amanhã ainda seja a mesma. Não me permita partir sem lágrimas ou
memórias tristes ou
cicatrizes e traumas.
Não deixe que eu me vá sem ler aquele livro que você indicou, escutar discografias ótimas e assistir filmes péssimos.
Que depois do fim, eu acorde numa noite qualquer a 20 anos daqui e chore de saudades desse exato momento. Dessa piada besta. Desse sorriso bonito. Do modo como você coça os olhos quando fica nervoso.
Que eu odeie suas manias chatas, mas acabe falando as mesmas gírias que você
e que eu
me vicie nos seus vícios.
Não deixe que eu me vá sem saber quantos cigarros você fumava por dia,
Não me impeça de criar planos frustrados.


E que no fim, o amor seja isso: se eu não te tenho mais ao meu lado, te tenho dentro de mim.

25.6.13

Good morning, Mr. Dylan

Moço morno
com um folk no sorriso - 
navegar não é preciso
tu precisa é de analista,
amor ultra romancista 
- e seu tremor vazio.

Moço frio,

aquecido por conhaque.
Da tua birra, eu tiro sarro
Tem o beijo e tem o escarro
Tem a cena, tem o ataque.

Moço do abraço frouxo
- cuida bem da tua rosa -
quem falou foi a raposa,
eu adoro tua poesia
o seu medo e a anarquia
e te encanto com minha prosa.

Augusto, horário político, efemeridade e Drummond
José, Dylan, bule, bela cacho e Proudhon

Moço triste,
ao menos isso eu te garanto:
Ainda vamos ser felizes
vamos rir das cicatrizes
dimetrizes
chamarizes
da minha rima pobre.

15.6.13

who the fuck would fall in love with me

A ausência de motivos pra viver é um motivo pra morrer? Não tenho razões pra estar feliz. Pra ser triste, também não. Mas sou. E é por isso que me deixam.  Eu, que canto que danço que desenho escrevo discuto política que bebo eu que gosto de transar que tenho um sorriso bonito eu que conheço autores maravilhosos e invento histórias que assovio que ando a pé por aí eu que tiro belas fotografias eu que pinto que sou um sucesso com as crianças e com todos os animais de rua, eu. Mas sou triste e minha apatia acaba por tornar-se insuportável.
Ele queria foder e eu só queria virar para o lado e chorar.
Mas meu nome é sim e eu choro, eu estrago tudo, eu me apaixono demais.
Logo eu, que era pra ser encantadora, colorida, bonita, esvoaçante e. Mas eu estou sozinha. Sempre estive. Nunca existiu ninguém ao meu lado, no fim das contas. Era do lado da minha imaginação que eu acordei todos os dias. E nunca valeu a pena se apaixonar por tantas mulheres maravilhosas, sendo que de perto todo mundo é feio, todo mundo é sujo, todo mundo tá coberta de células mortas e respira o mesmo ar pútrido. Eu nunca enviei as minhas cartas de amor.
E vocês se encantam pela menina que dança nas flores.
Mas eu choro, eu grito, eu quebro os seus pertences, eu me rasgo, eu sangro, eu. Eu. Eu. Eu me afogo dentro do espelho de narciso.

Como eu pude me achar tão boa a ponto de acreditar que alguém se apaixonaria por mim?

21.5.13

Sala 04


As palavras me esbofeteavam, uma a uma. Eu sorria. O que mais eu podia saber? Ainda dizendo: o que mais eu sabia fazer? Não era eu aquele muro de mulher, que se mantinha forte conforme as facadas que ia recebendo? (Visivelmente) inabalável. A paz tem gosto de perdão,  mas nossos olhares estão cheios de mágoa, e os sorrisos são de escárnio. Ainda nos consideramos bons? A última pétala caiu e ambos ainda somos monstros.
Você espera meu próximo tropeço para rir. E eu ando e tropeço, distraída, bêbada, livre, solta, louca. Por aí. Longe. Exatamente como no início. Somos cada vez mais os mesmos. Verdades deturpadas.
Deus cometeu um terrível engano, meu bem – aqueles sussurros jamais foram meus, não é? Aquela trilha sonora não era a do nosso filme. Interpretamos os papéis errados. Mas valeu. Valeu o êxtase. Valeram as mãos dadas. Valeram os porres. Não vou mentir,  valeram também as noites me revirando solitária e febril numa cama de solteira que um dia pensei ser grande demais. Valeu a experiência, o gozo, as manhãs. Meu senhor, e pensar que... não. Não foram em vão os segredos e nem os berros. O amor à cena. Eu amei teu personagem. Eu gravei teu coração (e adorei o som de cada uma de suas batidas).
Idealizações enganaram crianças.
Esse roteiro é de outra vida.
Este século, não.

20.4.13

Balada do amor sem ódio


Rosa encantada, cicatrizes, cigarros
Garrafas vazias, lâmina de apontador
Cama, carícia, cosquillas, dormir na varanda
& saudade de você debaixo do meu cobertor.
Carinhos, dentes de tubarão, vagalumes,
Psicose, domingos, ciúmes
Cheiro de Marlboro light e o meu perfume.
Engano, escândalos.
Vândalos.
E o medo.
Segredos
que nunca desvendamos
Eu adoro a sua boca.
Você detesta
o meu cabelo novo –
eu sei.

9.4.13

Amor, amém.


Vivo no jardim mais estrelado do mundo
Onde vivem mais cinco gatos
e um milhão de borboletas.
(vezenquando crescem uns cogumelos)
O menino balança na rede,
risonho e límpido.
Há sete dias que não faz-se pranto
A aranha tem oito pés
Não sei mais falar de
dor.
Os velhos sentados na calçada vendo a vida passar
Ela caminha, inexoravelmente,
A um boa-noite.
O veneno da aranha fecha os cortes.
A teia me atrai a esse mundo puro.
Amor,
Amém.

27.2.13

Caixa de Pandora

Não gostava do modo como aquilo a atingia. Não era gradual. Não havia aviso prévio. Era como se ela sorrisse e, de repente - bofetada. Tremia. Não havia nome para aquela sensação: não se chamava tristeza, não se chamava angústia. Raiva, também não era. Tudo isso Lúcia já conhecia. Era seu espírito que se enregelava e a febre queimando o pescoço. A dor se espalhava pelos membros. Endureciam. Lágrimas ferviam. Pensamentos pulsantes, desespero correndo as veias, o caos bloqueando a garganta. Desabava, cedia, amaldiçoava. Eram sôfregos, os soluços. Estava vulnerável como uma criança doente.
E ela empurrava para dentro todas as pílulas que pudessem anestesiá-la. Ou anestesiar esse bicho, que Lúcia tinha medo de pensar se era parte dela ou não. "Pare, por favor, pare. O que quer que seja que mora em mim, vai embora."  Golpeava o ar. Golpearia pessoas. Se batia. Se debatia. 
O céu era vermelho e machucava. Lúcia queria pintá-lo de anil. Lúcia queria conhaque. Lúcia queria dormir.
Rasgava a pele e via o sangue lhe colorindo os dedos. Implorava  pro bicho ir embora. Se feria ou feria aquilo? Tanto fazia, se os dois eram maus. Onde estava o vinho? Onde estavam os calmantes? Onde estava o carinho, os lençóis brancos, o pai, a maçaneta da porta? O que fizera com a penteadeira da bisavó, por que lhe despedaçaram os bibelôs? Estava tudo destruído. Como se tivesse nascido da caixa de Pandora. Lá estava Lúcia, a rolar em seu colchão, a sangrar em seu travesseiro, fazia com a lâmina mais uma inscrição: "normal". Quantas cicatrizes mais seriam preciso? Que corpo de mulher ela teria?
Só queria paz.
E se embalava em sua própria dor até que os remédios lhe permitissem adormecer.

29.1.13

Queria ser pirata

Queria ser pirata, mas não sei nem nadar.
Conhecer mulheres belas
nuas
com caudas de
peixes
- que também é constelação
astral, misteriosa, sonhadora e ridícula.
Artista
Como o canto das sereias.
Queria ser pirata, mas não sei navegar.
Me restou praguejar maldições
E descontar meu escárnio em tudo que vejo e é beleza
e que também é tristeza,
caminhando numa prancha que não dá pro mar.

28.1.13

Janela com margaridas


Quero colocar um colchão no chão do novo apartamento.  Vazio. Minha mente, vazia. Paredes nuas. Corpos nus. Almas despidas. Quero suspirar e sussurrar, assim, em sorrisos entrecortados e à beira das lágrimas: “te amo”. O sol do fim de tarde vindo se despedir pela janela escancarada, meu coração escancarado, deitada de braços abertos... no céu, um início de lua. Transar sem pensar em nada.
Sempre choro quando você grita. Jamais me canso dos seus dedos correndo minhas costas. Dos seus beijos nas minhas costas. Amo e detesto quando é você quem chora – tão íntimo, tão frágil, tão meu, e eu ali, tão sua. E há o meu sufoco quando você parte. O vazio dos primeiros três minutos sem você. O desespero em pensar que isso pode ser real.
Me recordo das fotografias que registrei mentalmente: você, ali, deitado ao meu lado. O meio sorriso, os cabelos no rosto, e eu vou me lembrar disso daqui a vinte anos. Você não acredita.
Gosto da sua pele pressionando a minha em noites geladas, ou de sentir seu carinho até cair no sono quando faz calor. Quero colocar uma jardineira no peitoral da janela, amor. E que se foda a lei. Vou enchê-la de margaridas! E adotar uma gata que esquente nossos pés no inverno.
Ando tomando os remédios direito e prometo jogar fora aquela lâmina (e todas as outras). Prometo comer e prometo me levantar e prometo viver. Estou lendo os livros que você me deu. Voltei a dormir. Procuro paz.
Procura também sua paz, que eu quero colocar um colchão no chão do apartamento novo.
Abrir uma cerveja e transar de cabeça vazia.
Beijar sua boca. Sentir sua boca nas minhas costas. Nos meus ombros.
Sentir seu carinho até pegar no sono.

16.1.13

Alma dilatada

Já havia dias que eu estava limpa. Linda. Quase casta. Praticamente uma Madre Teresa da sanidade mental. Ia me tornando uma pessoa comum e não tinha muita certeza se me orgulhava disso ou não. Mas eu ia ao mercado, falava ao telefone, assistia filmes profundos sem entrar em crises existenciais, desperdiçava o tempo. Eu tomava banhos longos. Até comecei a pentear o cabelo. Aprendia a amar. Estava parando de fumar. Dispensava os grandes porres. Eu cheirava bem e escutava canções alegres.
Como eu dizia: limpa, linda, quase casta.
E como saber que de um dia pro outro a própria rotina completaria seu ciclo?
Sangue, lágrima e alma implodindo diariamente ali. Dentro de mim.
Ninguém nota. Deixei de notar.
A confusão sempre retorna à sua casa, como um filho pródigo ou um cão fiel. Entra, pode entrar. Eu abro os braços. Os pulsos delgados. O espírito dilatado. O corpo, comprimido. Mutilada. De todas as maneiras que consigo pensar.
Você já sentiu vontade de mergulhar o rosto em óleo quente?
Meu amor. Amor, escuta. Eu vivo sem você. Os primeiros três meses, trancada num quarto e à base de cigarros, amato e risperdal. Mas vivo. Um dia eu tenho que encarar o sol. Eu só preciso avisar você que a nuvem preta vem vindo. Eu preciso saber se você vai suportar.
No espelho do banheiro, eu lavo o rosto,
(no espelho do banheiro eu vejo) o rosto da decadência.
Que lástima, deus. Que lástima.