29.1.13

Queria ser pirata

Queria ser pirata, mas não sei nem nadar.
Conhecer mulheres belas
nuas
com caudas de
peixes
- que também é constelação
astral, misteriosa, sonhadora e ridícula.
Artista
Como o canto das sereias.
Queria ser pirata, mas não sei navegar.
Me restou praguejar maldições
E descontar meu escárnio em tudo que vejo e é beleza
e que também é tristeza,
caminhando numa prancha que não dá pro mar.

28.1.13

Janela com margaridas


Quero colocar um colchão no chão do novo apartamento.  Vazio. Minha mente, vazia. Paredes nuas. Corpos nus. Almas despidas. Quero suspirar e sussurrar, assim, em sorrisos entrecortados e à beira das lágrimas: “te amo”. O sol do fim de tarde vindo se despedir pela janela escancarada, meu coração escancarado, deitada de braços abertos... no céu, um início de lua. Transar sem pensar em nada.
Sempre choro quando você grita. Jamais me canso dos seus dedos correndo minhas costas. Dos seus beijos nas minhas costas. Amo e detesto quando é você quem chora – tão íntimo, tão frágil, tão meu, e eu ali, tão sua. E há o meu sufoco quando você parte. O vazio dos primeiros três minutos sem você. O desespero em pensar que isso pode ser real.
Me recordo das fotografias que registrei mentalmente: você, ali, deitado ao meu lado. O meio sorriso, os cabelos no rosto, e eu vou me lembrar disso daqui a vinte anos. Você não acredita.
Gosto da sua pele pressionando a minha em noites geladas, ou de sentir seu carinho até cair no sono quando faz calor. Quero colocar uma jardineira no peitoral da janela, amor. E que se foda a lei. Vou enchê-la de margaridas! E adotar uma gata que esquente nossos pés no inverno.
Ando tomando os remédios direito e prometo jogar fora aquela lâmina (e todas as outras). Prometo comer e prometo me levantar e prometo viver. Estou lendo os livros que você me deu. Voltei a dormir. Procuro paz.
Procura também sua paz, que eu quero colocar um colchão no chão do apartamento novo.
Abrir uma cerveja e transar de cabeça vazia.
Beijar sua boca. Sentir sua boca nas minhas costas. Nos meus ombros.
Sentir seu carinho até pegar no sono.

16.1.13

Alma dilatada

Já havia dias que eu estava limpa. Linda. Quase casta. Praticamente uma Madre Teresa da sanidade mental. Ia me tornando uma pessoa comum e não tinha muita certeza se me orgulhava disso ou não. Mas eu ia ao mercado, falava ao telefone, assistia filmes profundos sem entrar em crises existenciais, desperdiçava o tempo. Eu tomava banhos longos. Até comecei a pentear o cabelo. Aprendia a amar. Estava parando de fumar. Dispensava os grandes porres. Eu cheirava bem e escutava canções alegres.
Como eu dizia: limpa, linda, quase casta.
E como saber que de um dia pro outro a própria rotina completaria seu ciclo?
Sangue, lágrima e alma implodindo diariamente ali. Dentro de mim.
Ninguém nota. Deixei de notar.
A confusão sempre retorna à sua casa, como um filho pródigo ou um cão fiel. Entra, pode entrar. Eu abro os braços. Os pulsos delgados. O espírito dilatado. O corpo, comprimido. Mutilada. De todas as maneiras que consigo pensar.
Você já sentiu vontade de mergulhar o rosto em óleo quente?
Meu amor. Amor, escuta. Eu vivo sem você. Os primeiros três meses, trancada num quarto e à base de cigarros, amato e risperdal. Mas vivo. Um dia eu tenho que encarar o sol. Eu só preciso avisar você que a nuvem preta vem vindo. Eu preciso saber se você vai suportar.
No espelho do banheiro, eu lavo o rosto,
(no espelho do banheiro eu vejo) o rosto da decadência.
Que lástima, deus. Que lástima.