13.6.15

rosa maria

Rosa Maria, arisca e ferina
faminta e felina
meio-fera
meio-menina
gosta de esticar seu corpo debaixo céu
em dias que faz sol
e se esfrega nas pernas dos passantes
despretensiosa e preguiçosa
furtiva furtou
um pão e fugiu
quer colo cócegas carinho
cama
mesa e banho
e passar a madrugada na rua
beijando a boca da lua

4.6.15

sobre ciclos

há um ano você tinha me dito
"nêga, olha essa lua!" 
eu corri pro asfalto
descalça, de pijama e tremendo de frio
agora a lua está tão clara
que parece que ainda é dia
e você continua nublando minha visão
de qualquer outro horizonte
cheia e farta disso, a lua
já completou vários ciclos
enquanto isso
'cê ainda não minguou de mim.

a gata preta

a gata preta presa 
a gata preta que canta no telhado 
a gata preta namorada da lua cheia
a gata preta no cio
a gata prenha
a gata preta e a ninhada
a gata preta que levou paulada
a gata preta escaldada
a gata preta envenenada

a princesa feroz

hoje eu vou contar uma história
mas que ela fique entre nós
esse segredo é mais antigo
que os nossos tataravós
num reino não muito distante em espaço
porém bem longe em questão de tempo
existiu uma menina tão veloz quanto os espíritos do vento
uns diziam que quando caía a noite
ela montava num cavalo baio
e em quinze minutos chegava ao topo do céu por um atalho
sabia-se que a menina na verdade era uma princesa
que por ter nas veias sangue de bruxa fora expulsa da realeza
com sete anos seu pai a abandonara só, na floresta
e naquela mesma noite ela e os bichos deram uma festa
e ela nunca mais quis falar em língua de gente
ela só silva, assovia, sacode chocalho feito serpente
mas se algum passante lhe pergunta onde está sua família de verdade
ela não responde, mas diria que é filha da selva e da tempestade
esse conto que alguém um dia ouviu e agora eu é que conto pra vocês
é um tesouro precioso que não se tranca em baú ou se enterra
e se você acredita na lenda então agora é a sua vez
de confiar a memória da princesa-bruxa às crianças da sua terra.

3.6.15

lua cheia, outono, junho de 2015

Cristina narra seus fracassos com um sorriso de deboche na cara. toda gente senta em volta, ouve e ri. ri de sua risada. ela não sabe fazer desabafos sem pedir desculpas ou chorar em público sem soltar gargalhadas culpadas. sou contadora de histórias, você sabe, senta, ela ferve a água do chá enquanto enrola um baseado, lambe a seda e te encara com o olhar aflito. ela é a alma da festa com suas pernas nuas espalhadas pelo chão, recostada em algum canto - e todo mundo se recosta junto pra escutá-la contando de suas peripécias e dizer "quanta sorte você tem, Cristina" toda santa vez que ela narra aquela história de como ecapou por um triz da polícia. sorte, oras - pensava alto a moça, a voz dura e grosseira e sem nunca abandonar o esgar de estimação - seria não ter que precisar escapar. as unhas roídas até o sebo dos dedos amarelos e às vezes o olho esquerdo tremia durante um dia inteiro e insistiam: Cristina é uma mulher muito forte; no lugar dela, enlouqueceríamos. havia quem dissesse que ela era bruxa e também mentirosa, ouviam-se rumores de que guardava no coração muita inveja e rancor. existia uma história que dizia que Cristina viera de um mundo em que o céu tinha nove luas e três sóis - ela confirmava, sempre sorridente, cada um deles. ah, Cristina, todas as manhãs... varre o chão desejando poder montar na vassoura e sumir, mas precisa encarar a condução lotada ainda. o ônibus sacode e ela fecha os olhos imaginando que. suspiro, sorriso, alívio. selvagens da urbanização, pseudo zen à beira de um ataque de nervos, o mapa do seu refúgio mostra um atalho pelo caminho da sua loucura. dentro da cabeça dela há um lugar onde se pode correr nua sob a luz da lua cheia. é por isso que Cristina sempre sorri.

Mari

a menina recitando baixinho, 
nervosa e gaguejando
os versos de pessoa
sussurrando no meu ouvido, febril de vergonha, pra confessar 
que gostou mais foi da poesia do beijo 
com as mãos magricelas trêmulas e com sua dificuldade em ler, ela não sabe
que ela própria é um poema

1.6.15

você parece um ímã e a sua risada 
age em mim como
a atração da terra sobre a lua.
confesso que essa gravidade me deixa
bastante tonta,
eu não consigo colocar isso num poema.