10.6.11

DIA DE TODOS OS SANTOS

Os mesmos passos cegos me guiaram, inconscientes, para o mesmo lugar, onde subi os degraus como se fossem uma espécie de calvário. As besteiras que eu fiz seriam alguma espécie de cruz? Uma cruz muito leve. Me ajoelhei em um daqueles bancos de madeira, em meio a alguns poucos fiéis que rezavam o terço. Eu não tinha um terço e nem nunca tivera, o que não era nenhum problema, já que eu desfiava meu próprio rosário de lágrimas. "Sobem aos céus os sussurros dos céticos a um Deus surdo", pensei, assim mesmo, e eu podia ouvir todos os sssss dentro do meu próprio pensamento, e tocava um blues, jazz, eu não podia saber porque havia acabado de inventar a melodia da minha mente. A letra da canção, eu não lembro. Aí então tentei sintonizar meu próprio canal de oração. Deus, deus! Eu sou uma puta mesmo. E eu poderia falar assim com uma divindade? Que fosse! Se houvesse mesmo um Onisciente que conhecesse todo o meu coração, eu devia pelo menos poder ser sincera. Gemidos, os vidros embaçados do carro, o espelho embaçado do banheiro com alguma música clichê rabiscada. Ah, Deus, eu venho sido má e não peço perdão. Não peço perdão porque, deus!, o senhor conhece o desejo o tesão a paixão pelo podre que há dentro de mim. Arranhões, a língua nos dentes - literal e metafóricamente. O meu amor mordo, extinguido, renascido das cinzas, ferido, meu orgulho e meu rosário de lágrimas, não nos esqueçamos dele, fazendo as preces: Pai nosso que estás nos Céus, desce pra terra me dar a mão, dar a mão a todos os proscritos e afasta de mim esse cálice. Eu queria sair dali e acender um cigarro. Acender uma paixão vulgar que não durasse meio maço. Queria acender uma faísca de esperança e tocar fogo em todos os diários já escritos por pré-adolescentes que pensavam ter o coração partido. Queria era fugir imediatamente daquela igreja pra poder pecar de novo logo. Deus meu, por que me abandonaste? POR QUE? Eu o amava, de todo o coração, e morreria de amor se pudesse. 
Ergui meus olhos e odiei aquela imagem de um Cristo Rei de traços gregos, olhos nórdicos gelados e uma expressão dura e arrogante. Preferia o que agonizava na cruz: amor, eu sentia amor. Todos aqueles santos de pedra me observavam, tão inventados pelos humanos, penso eu, como aquele blues inventado por mim. Mas isso queria dizer que minha canção não existia? Tanto fazia. Deus, Nossa Senhora, São Francisco, Alá, Buda... pra quê tanta guerra, meus deuses? Por que não morrer de amor?

Nenhum comentário:

Postar um comentário