17.4.14

toda festa ela chegava um pouquinho morta. mas sorria, sorria muito e sorria sempre, era especialista em sorrir. se ela se contorcia, gemia, ofegava, nua, ainda lhe diziam "que sorriso bonito que você tem". poderia sorrir com uma arma na cabeça, e o fez. sorria durante o sono e durante o choro. conquistava grandes coisas com aqueles olhos pequenos cor-de-âmbar, as linhas de expressão surgindo enquanto pedia "por favor".
e ganhava o mundo.
obrigada de nada volte sempre e você tem um belo sorriso, moça.
uma garota com aqueles dentes não passaria fome jamais.
uma menina dona daqueles lábios jamais precisaria beijar.
vinha de outro planeta. quando aterrissou na terra, tudo a impressionava, e por isso não fechava a boca nunca. o nome dela era alice, mas havia quem a chamasse de margarida ou de teodora.
isso nunca importava: tinha uma saia florida, sempre, e os pés descalços, e ria como uma alucinada com um copo de rum na mão. tropeçava nos próprios pés e prosseguia dançando, linda, louca, livre. triste.
de uma infelicidade gigantesca que não poderia jamais ser contida naquele corpinho mortal. e voava pra longe, alcançava o éter, desaguava em tempestades furiosas que desabrigariam populações. uma tristeza que pranteava toda a miséria e toda a desgraça, todas as bruxas queimadas em fogueiras e cada criança morta à tiros no meio de uma guerra. sua melancolia era a nascente de nevoeiros e também secava toda a água dos poços mais profundos.
mas sorria muito, a menina. no gozo e no grito e principalmente no desespero.
os pés tocavam o chão e erravam o passo.  a menina errava - inteirinho - o compasso da música e se rebolava, embebida e sofrida.
as mãos para o alto eram uma súplica.
por favor que os deuses me levem.
mas ela permanecia ainda na terra. sem jamais esmaecer o rosto alegre.

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