3.6.15

lua cheia, outono, junho de 2015

Cristina narra seus fracassos com um sorriso de deboche na cara. toda gente senta em volta, ouve e ri. ri de sua risada. ela não sabe fazer desabafos sem pedir desculpas ou chorar em público sem soltar gargalhadas culpadas. sou contadora de histórias, você sabe, senta, ela ferve a água do chá enquanto enrola um baseado, lambe a seda e te encara com o olhar aflito. ela é a alma da festa com suas pernas nuas espalhadas pelo chão, recostada em algum canto - e todo mundo se recosta junto pra escutá-la contando de suas peripécias e dizer "quanta sorte você tem, Cristina" toda santa vez que ela narra aquela história de como ecapou por um triz da polícia. sorte, oras - pensava alto a moça, a voz dura e grosseira e sem nunca abandonar o esgar de estimação - seria não ter que precisar escapar. as unhas roídas até o sebo dos dedos amarelos e às vezes o olho esquerdo tremia durante um dia inteiro e insistiam: Cristina é uma mulher muito forte; no lugar dela, enlouqueceríamos. havia quem dissesse que ela era bruxa e também mentirosa, ouviam-se rumores de que guardava no coração muita inveja e rancor. existia uma história que dizia que Cristina viera de um mundo em que o céu tinha nove luas e três sóis - ela confirmava, sempre sorridente, cada um deles. ah, Cristina, todas as manhãs... varre o chão desejando poder montar na vassoura e sumir, mas precisa encarar a condução lotada ainda. o ônibus sacode e ela fecha os olhos imaginando que. suspiro, sorriso, alívio. selvagens da urbanização, pseudo zen à beira de um ataque de nervos, o mapa do seu refúgio mostra um atalho pelo caminho da sua loucura. dentro da cabeça dela há um lugar onde se pode correr nua sob a luz da lua cheia. é por isso que Cristina sempre sorri.

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