17.10.12

Sangue, suor e lágrimas


“Ta vendo? Não dói.” Cecília sussurrava para Cecília. Mas não era ela.
E isso realmente importava? A resposta era não.
Eram como lágrimas vermelhas que escorriam pelo ralo do banheiro. Não doía. Era um tratamento, aquilo sim, muito melhor do que as pílulas, e as gotas de placebo que obrigavam-na a engolir com todas aquelas palavras brutas, com toda aquela (ir)realidade. E a menina ia engolindo mais. E a angústia anestesiava e as veias latejavam e seus soluços faziam com que cada milímetro de seu corpo estremecesse de prazer. Sim, prazer. Não havia remédio que não causasse doença e não havia doença que não chegasse ao fim.
Que analogia bonita era o fim! E que sentimento belo era a dor quando sentida daquela maneira. Lutar pela lucidez ia a exaurindo e Cecília (mas não era ela) sussurrava em sua própria mente: vai, menina, desse jeito tudo vira poesia. Essa história não a tornava mais humana? Pois era isso que a humanidade toda sempre faz: dar murro em ponta de faca.
A cabeça enfiada embaixo do chuveiro, de olhos fechados, a pulsão de vida insiste em ofegar: “o pulso ainda pulsa, o corpo ainda é pouco”. Desejava escapar do corpo, queria fugir do mundo, que as lágrimas escorressem por todos os poros feito suor. Só acabava por doer realmente quando se debatia, como quem num redemoinho de rio gasta as energias para alcançar a superfície.
Precisava dormir.  
E quando a salvassem... ah, se a salvassem!
Como iria arder na manhã seguinte.

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