16.1.13

Alma dilatada

Já havia dias que eu estava limpa. Linda. Quase casta. Praticamente uma Madre Teresa da sanidade mental. Ia me tornando uma pessoa comum e não tinha muita certeza se me orgulhava disso ou não. Mas eu ia ao mercado, falava ao telefone, assistia filmes profundos sem entrar em crises existenciais, desperdiçava o tempo. Eu tomava banhos longos. Até comecei a pentear o cabelo. Aprendia a amar. Estava parando de fumar. Dispensava os grandes porres. Eu cheirava bem e escutava canções alegres.
Como eu dizia: limpa, linda, quase casta.
E como saber que de um dia pro outro a própria rotina completaria seu ciclo?
Sangue, lágrima e alma implodindo diariamente ali. Dentro de mim.
Ninguém nota. Deixei de notar.
A confusão sempre retorna à sua casa, como um filho pródigo ou um cão fiel. Entra, pode entrar. Eu abro os braços. Os pulsos delgados. O espírito dilatado. O corpo, comprimido. Mutilada. De todas as maneiras que consigo pensar.
Você já sentiu vontade de mergulhar o rosto em óleo quente?
Meu amor. Amor, escuta. Eu vivo sem você. Os primeiros três meses, trancada num quarto e à base de cigarros, amato e risperdal. Mas vivo. Um dia eu tenho que encarar o sol. Eu só preciso avisar você que a nuvem preta vem vindo. Eu preciso saber se você vai suportar.
No espelho do banheiro, eu lavo o rosto,
(no espelho do banheiro eu vejo) o rosto da decadência.
Que lástima, deus. Que lástima.

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