17.9.12

Paralelamente


Jordana estava sentada no muro da sacada, acendeu um cigarro e encarou os próprios pés. Abaixo deles, as pessoas riam, bebiam, dançavam e conversavam no quintal. A menina desejava estar ali, mas não estava. Seu pensamento vagando semanas no futuro ou quilômetros no espaço. Os olhos estavam marejados e as mãos tremiam, mas ela forçava um sorrisinho otimista de que tudo daria certo no ano seguinte. Hora se obrigava a parar de especular sobre outros tempos (seja passado ou futuro) e se esforçava em esquadrinhar toda aquela gente com os olhos em busca de alguém que a distraísse.
- Boa noite, o que é que você tem?
João acabara de subir até a sacada, e caminhava até ela sorrindo. Trazia nas mãos uma garrafa de vidro, cachaça envelhecida em carvalho, dois copos. Sem autorização, os encheu e furtou um cigarro da menina.
- Toma. Acho estranho te ver assim, sóbria e triste. E te perguntei o que é que você tem.
Jordana apanhou o copo da mão do rapaz e deu um gole longo, fez uma careta feia. Riu.
- Eu não sei, só... têm acontecido umas coisas. Coisas das quais eu não faço parte. Na verdade, eu nem deveria me importar, João. Nem você. Não é interessante.
Ele sentou-se ao lado dela e olhou-a por longos instantes.
- Sabe por que eu acho que você está tão triste? É esse vestido preto. Sapatos pretos. Toda de preto. Hoje é um dia em que as pessoas usam branco, olha, até eu. Pareço um pai de santo.
Jordana riu.
- Um belo pai de santo, devo dizer.
Então seu sorriso esmaeceu e ela deu de ombros, abaixou a cabeça por um instante, e logo tornou a olhar para João vestindo branco e enchendo mais uma vez os copos. Seu pensamento vagava semanas à frente e quilômetros no espaço. E retornava àquele gosto forte na boca, aquele momento desconexo que a distraía de todas as hipóteses torturantes que se formavam em sua mente – e como ela adorava distrações!
- Eu só olhei esse vestido e achei bonito.
- Isso é verdade, você está linda hoje à noite. Você já o é em todos os outros dias, mas está especialmente linda hoje. Talvez não haja problema nenhum em usar preto se for pra ficar desse jeito.
A garota revirou os olhos e riu, “ta bem”, murmurou com a voz rouca antes de acender outro cigarro; João a acompanhou, desceu do muro e estendeu a sua mão.  Jordana segurou-a e os dois se encararam. Ela não teve medo de demonstrar um olhar triste e desesperado.
- Por que não se considera mais nenhum sentimento humano? O que pode estar acontecendo agora, João? Eu não sei. Eu tenho tantos planos pro ano que vem, mas não acho que o tempo possa ser dividido assim. Por que as coisas apodrecem por dentro, por que minha vida continua acontecendo mesmo quando eu não estou por perto? Eu sei que não é importante, eu sei que eu não estou envolvida. Que se foda.
- Jordana... esquece isso. Esquece seus planos por um instante, está bem? Ainda estamos aqui. Vamos descer essas escadas, dança comigo. Deixa a sua vida acontecer aqui, onde você está. Olha só, é meia-noite.  Daqui a pouco começam os fogos. Não quebre tantas tradições assim, menina de preto. Vem, cumpra o protocolo, me dê um beijo.

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