26.9.12

Qualquer noite

Era uma cama estreita e uma noite quente. E era uma moça sem futuro, sem amor, sem confiança, sem casamento. Mas olhava para o lado e via os lábios mais bonitos que a vida já lhe permitira. E imaginava: se dali a dois ou cinco anos se esborrachasse na calçada, despencada do sétimo andar, então tudo bem. 
Em outros tempos aquele quarto estivera cheirando a sexo. Ainda antes, jasmim. Os lençóis encharcados de lágrimas. Papéis amassados pelo chão. Garrafas vazias sobre a cômoda. Não agora. A menina sorria, numa espécie calmaria até agora desconhecida. Aterrorizantemente momentânea? Aquele era seu mundo. Pacificamente invadido e desbravado. Ali estavam seus livros lidos pela metade, as fotografias, a meninice exposta, os olhos marejados de descrença e o medo de uma fé que surgia. E ela se entregava à escuta, cada toque era como que carinhosamente violento.
As cinzas iam se encrostando no fundo das canecas, e ela se aconchegava num abraço, sem estratégias, sem ao menos notar o que fazia. O hálito de café saía no riso de  criança que ela esqueceu de esconder. Esquecia de se esconder. E enquanto se mostrava, se descobria. De uma forma assustadora, deliciosamente dolorosa, sentia as paredes de um forte sendo derrubadas ao passo que ia deixando de se vigiar. 
E uma luz qualquer espreitava pelas frestas da janela

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