7.8.12

Bernardo, outra vez


Foi Bernardo quem tocou a campainha de Susanna, anos depois. Ele não se sentia nem um pouco nervoso ou desconfortável. Sentia-se confiante de que ela abriria a porta, o convidaria pra entrar, colocaria pra tocar uma música daquele tempo e permitiria que ele lesse sua mente outra vez.
E a (não tão mais) menina apareceu no portão. O sorriso estava diferente. O jeito de andar estava diferente. O cabelo, as roupas eram diferentes. Até o olhar ao vê-lo era outro: como se aquilo fosse uma surpresa estranha.
- Bernardo! – a voz não havia mudado.
- Que saudade.
- Quanto tempo.
- Dois anos, né?
- Quase três.
Ela falava como se insinuasse que aqueles quase-três-anos fossem uma vida inteira. 
- Vem, entra – Susanna estendeu o braço pra destrancar a fechadura e as cicatrizes ainda estavam lá. Talvez houvesse algumas mais. Talvez muitas. 
O rapaz a abraçou e ela correspondeu. O calor, a sensação de paz que aquilo sempre provocara também não havia mudado. Ele sentiu o cheiro de café e cigarros impregnados em sua pele, cabelos, roupas. Encarou-a por longos segundos quando se soltaram. Como se não pudesse decifrar a expressão da garota. 
E não podia.
Sentaram-se no sofá, ela nem ligou a TV, trouxe um bule com chá e desculpou-se porque não tinha nada pra comer. Podia oferecer biscoitos.
- Que formalidade é essa, Su? Parece que eu nem te conheço mais. Não sei mais nada da sua vida.
O sorriso de Susanna se desmanchou, ela encolheu os ombros.
- Nem eu da sua. 
- Logo a gente, eu pensava que ia te conhecer pra sempre.
- As pessoas não são as mesmas pra sempre.
- O sentimento é. – Eles se olharam nos olhos e Bernardo tentava, mais uma vez, sentir o que a garota sentia. Pensar o que a garota pensava. Mas ela apenas tentou disfarçar um sorrisinho de escárnio. – Não é?
Susanna não respondeu.
- Eu sempre me lembro de você. – ele insistiu.
- Então por que nunca mais veio me ver?
O rapaz se calou.
- Você sempre me lembra de quem eu era. A menininha que você conhecia como a palma da mão. Só que eu não sou mais quem eu era. E você nunca foi quem eu pensei que fosse. – ela dizia tudo isso com o sorriso tranqüilo de quem não se deixava afetar.
- Sim, você cresceu. Eu também.
- Você pode ler minha mente? – ela repetiu a velha frase, tantas vezes dita naqueles momentos em que ela tinha vontade de gritar, mas não conseguia.
Bernardo ficou em silêncio por instantes enquanto tocava o a face, os cabelos, os lábios da menina e observava, pela primeira vez em um momento daqueles, um olhar corajoso que não se enchia de lágrimas. Ela permitiu que ele o fizesse por alguns instantes, depois segurou a mão dele e afastou-a de si.
- Não. – ele respondeu – Não posso mais.
Susanna respirou fundo e encheu sua xícara de chá. Depois deu de ombros.
- Perdão. As pessoas se afastam.
- Isso não deveria acontecer com a gente. – pausa. – Né?
- É natural as pessoas se afastarem, Bernardo.
- Não nós. O que você é pra mim nunca mudou.
- O que você foi pra mim nunca existiu. Já disse, perdão. Não tem nada pra comer. Eu só posso te oferecer biscoitos. Quer que eu sirva seu chá?

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