3.8.11

AMOR, SPERANZA, FIDE.

Tirou da bolsa o maço de cigarros com sua advertência favorita do Ministério da Saúde - morte. Tinha aquilo para si como um pequeno tesouro, igual a quando colecionava cards na infância e tirava um daqueles platinados brilhantes, ou como o moço do livro que colecionava cartas de coringas, ou a mãe que adorava receber de presente diferentes fuscas em miniatura. Morte era a sua favorita pelo simples fato de que era para todos: brancos, negros, pardos, amarelos, gordos, magros, ricos, pobres, políticos, professores, artistas, fumantes ou não. Todos morreriam. Às suas costas, a catedral matriz; à sua frente, a simplória barraquinha hippie, repleta de filtros de sonhos que Catarina tanto desejava. Não tinha um tostão! Não tinha emprego, casa própria, motocicleta, idade o suficiente, amor que lhe alimentasse ou tarefa que a distraísse naquela tarde nublada; então observava os brincos de penas, namorava os aneis de pedras semi-preciosas, jogava conversa fora com os velhinhos de cabeça branca que jogavam milho para as pombas no chafariz de água suja, se equilibrava andando em cima de muretinhas e espantava os passarinhos que ciscavam em paz na grama. Emprestou, com simpatia, o isqueiro para o moto-taxista, sorriu para as crianças que brincavam no parque, comprou um picolé. Mas que grande merda estava aquele mundo! As pessoas faziam o sinal da cruz para a igreja e ela imitava, sem saber porquê, enquanto adentrava os portões de mosaico coloridos. Rezava sem saber rezar, chorava porque gostava de chorar e olhava os fiéis ajoelhados que, fora daquele teto, eram pecadores de coração sujo tentando lavar a alma com o sangue imaginário de um Cristo de mármore sobre o altar.
Queria que hovesse uma cigana sentada aos pés da escadaria, que ela lesse sua mão e dissesse o óbvio: menina, você vai morrer. Quem não vai? Que inventasse que o amor da vida dela seria encontrado quando Júpiter e Marte se alinhassem com a Estrela D'alva num ângulo de setenta e três graus, qualquer coisa que a menina reconhecesse como mentira mas pudesse colocar numa história. Queria que lessem para ela as cartas de tarô, tirar a morte como no verso do maço de cigarros, tirar a roda da fortuna pra que a vida mudasse, tanto fazia, na verdade! O estado estava decrépito, a democracia nunca existira, nem o comunismo, nem o cristianismo judaísmo islamismo hinduísmo budismo satanismo ou paganismo algum, porque todo mundo é hipócrita desde sempre e pronto. Suspirou. Estava sendo uma negativista, mas o que fazer? Sua lua decerto estava na casa errada, ou algum demônio a assombrava, ou - para os céticos - era só acaso. A lei estava torta, as costas estavam tortas, a chuva pingava torta e seu coração estava quebrado (mas o coração de quem não estava?). Pediu amor, pediu esperança, pediu fé pra crer que as coisas melhorariam. Pediu liberdade, pediu beleza, verdade e pediu amor outra vez, porque sem amor não dá pra fazer nada direito.

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