27.10.11

Queridas lamúrias (relato)

Desesperançosa. Não parcialmente, sabe, mas também não totalmente. Caminhei em passos rápidos até a padaria e fiquei dando voltas – queria um cigarro só, só um (juro que só mais um, juro que parei), mas não me arriscava a entrar num boteco mulambento pra comprar solto. Compro, vencida, acendo (perdi o isqueiro), sento no meio-fio, torta como estou e como sempre fui e espero por sei lá o que, por alguém que me pergunte: “menina, tais passando mal?”, e na situação mental que criei, eu responderia: “to sim, to mal do espírito, moço”. E na minha história o moço é um velhote de cabeça branca e chapéu bege. O dia tão bonito e o mundo todo desordenado. O gosto ruim na boca, o aperto no peito que não me larga faz não sei se são dez meses ou dez minutos. Vou morrer jovem e feia e enrugada por dentro e desesperançosa e com essa carinha de menina cheia de vida. Hoje eu desisti de consertar o mundo. “E aí”, conto mentalmente pra algum amigo imaginário “aí você percebe que quem se importa é só tua analista, e é por salvar a dela, é porque ela é paga pra isso”. Em passos rápidos eu corro ando “sem cavalo preto que fuja a galope” troto em busca de gente de alma densa, mas a rua está cheia de gente vazia. “Ta todo mundo desalmado, entende o que eu digo?” Meu amigo imaginário entende, mas não me abraça. É um desalmado também. Só faz me ouvir. E digo, insisto que não tem remédio, não tem, que quero só que chegue segunda-feira logo e o dia da consulta pra eu poder me lamuriar que não existe uma só viv’alma que se importe. Pra eu poder ser de novo a paciente de classe média com uma depressãozinha (classe C) & algum TOC leve irrelevante & problemas comuns do adolescente brasileiro sem geração e sem causa.

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