26.4.11

NADA ME PREOCUPA NA TERRA DO NUNCA

O barulho do trem. O trem, ali ao lado. Living is easy with eyes closed. Bem, vamos tentar.
O trem continua ali, é o mesmo barulho. Eu tenho sete anos e a minha pequena basset dashund mestiça está sentada no meu colo. Eu coço atrás das orelhinhas castanhas, a barriga mais clara, passo os dedos pelos pêlos brancos da ponta da cauda. Na verdade, eu estou no banco errado. Deveria estar no banco de trás, com meu irmãozinho. Agora sim. Ele mal fala direito, na verdade, ele e seus dois aninhos. Mamãe está no banco do motorista - ela sempre está -, enquanto papai fica no do carona. As coisas entre eles não são perfeitas, é verdade, mas temos uma família. Somos uma família. Eu devia agradecer a Deus, mas eu provavelmente ainda não entendo bem esse tipo de coisa. Posso agradecer agora? Eu estava feliz. Eu quase sempre estava feliz. Realmente, não consigo me lembrar de algum momento triste nesses dias, mas talvez seja só a névoa mágica da nostalgia encobrindo-os.
Nanny fecha os olhinhos. Nanny é a cachorrinha. Depois que Igor foi embora, obrigamos mamãe a nos dar uma nova. Uma fêmea, é claro. Não podia ter uma irmã, eu teria uma cadela. Ela mal tem seis meses, ainda come ração para filhotes. Mas ela não está comendo agora, está dormindo no meu colo. Os meus cachinhos dançam com o vento da janela aberta. O shopping minúsculo depois da linha do trem. Juro que não me incomodava com a falta de espaço, com o fato de que com algumas poucas voltas já tinhamos decorado todo o trajeto: a praça de alimentação, o cinema e a sala de jogos ficava no centro e só haviam duas saídas.
Não consigo pensar pra onde estamos indo. Na verdade, só consigo ouvir o barulho do trem. Arrisco olhar pela janela: o céu azul, o mais belo céu em todo o mundo, ou pelo menos em todo o Brasil, como eu costumo dizer, e eu me perco naquele pedacinho do infinito.
O meu pedacinho de infinito.
Tento me lembrar da última vez em que senti a minha vida completa e simplesmente não consigo encontrar. Definitivamente tem a ver com essa cena imaginária. Sei que houveram muitas como essas.
Nove anos se passaram. Corro os dedos pelos cabelos e já não existem os cachinhos. Eu estou no banco do carona e mamãe não está ali. Nanny não está ali. Geralmente elas estão, mas então meu pai não estaria. Eu permito que as lágrimas corram pelas minhas bochechas, pelo meu queixo, e penso que é a primeira vez em que tenho esse choro sereno. Isso quase me fez sorrir. Geralmente eu me sujeito àquele choro copioso, compulsivo e cheio de soluços. Mas eu não estou desesperada dessa vez. Estou conformada, como esperam que eu esteja. Tudo se perdeu. As memórias reais se misturam com as falsas, no mar de uma pequena ilha só minha onde não existem passado, presente e futuro. Se o carro batesse nesse instante... não, porque isso não vai acontecer. Vou apenas tentar escapar para o meu mundinho perfeito.
Living is easy with eyes closed.

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