26.4.11

EU APENAS RIO

Aquela caixona no alto do armário era um verdadeiro baú de relíquias. Fotos banguelas, de beijos, praias, disputas de natação, apresentações de ballet, meu primeiro cachorro, minha primeira viagem, uns cartões de aniversário, meus pais quando eles ainda estavam juntos e se beijavam, uns bilhetinhos apaixonados de um para o outro. 
E uma carta. Minha. Que eu nunca enviara.
Desdobrei a folha de caderno, senti a textura da pressão da caneta no papel gasto. Era a minha letra meio engarranchada, um canto no alto datava uns dois anos atrás. Eu tremia. Impressão minha ou aquela mancha vermelha cheirando à ferrugem era sangue? Não era impressão - como se eu não me conhecesse.
"Enquanto eu lia as frases eu soube que quando eu as escrevera,
cada uma delas tinha doído em mim"
Corri meu olhar pelas palavras rapidamente, conhecendo-as bem. Algo sobre feridas incuráveis, um coração ausente,  um príncipe, uma camponesa, promessas quebradas, minha promessa permaneceria. Algo sobre o para sempre, também, que era o tempo pelo qual aquelas palavras teriam validade.  Enquanto eu lia as frases eu soube que quando eu as escrevera, cada uma delas tinha doído em mim. Soube que aquilo fora escrito às custas de sangue, suor e lágrimas; e uma quantidade considerável de tinta preta. Que quando eu as havia escrevido, eu me imaginara lendo-as - como eu fazia agora - e a dor não teria passado. E, por alguma razão, tudo o que consegui pensar foi...
Quanta bobagem.
Ri. E todo aquele sentimentalismo barato, o sofrimento gratuito, o drama adolescente, as juras - até a mancha dos meus punhos cortados - tudo tornava-se cada vez mais ridículo aos meus olhos. Era engraçado. E eu ri, e eu ri, e ri. Achei graça por ter acreditado em tantas mentiras. Por ter criado expectativas. E, principalmente, por ter me levado tão à sério.
Me levantei, ainda segurando a carta. Me mirei no espelho comprido na parede amarela. A parede era melancolicamente lilás quando a carta fora escrita. Agora meus cachos haviam desaparecido, até meu corpo havia mudado. No lugar dos cortes do antebraço, finas cicatrizes esbranquiçadas - aquelas, que nunca se cicatrizariam. No lugar do olhar vazio, um brilho desconfiado, ares de "não ligo" e um sorriso torto e aberto de quem tinha consciência de sua insignificância e achava graça disso. Um sorriso que dizia: eu sou jovem e ainda me resta muito sangue, muito suor, muitas lágrimas e quantas canetas meu dinheiro puder comprar.  Então acertemos sem medo de errar, mantendo a fé e sem superestimar a dor.
A gente tem que esperar pela felicidade até enquanto se está triste.

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